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sábado, 6 de fevereiro de 2016

MENTIRAS E VERDADES

   A gente ouve muita coisa nesse mundo. Principalmente em beira de rio, quando a pescaria não tá dando nada. Digo aqui por uma questão de ser justo com quem é pescador – a quem considero como a mais alta autoridade em contar feitos grandiosos e inusitados em beiras de rios, sejam os rios onde forem – e que jamais fui um bom pescador, embora já tenha tirado do rio um bagre enorme cujo tamanho não vi, pois era de noite e sei que era um bagre porque era barulho de bagre e era grande porque o barulho foi forte e a minha imaginação é muito fértil. 
   Brincadeiras à parte, nunca gostei de mentira, mas vou contar uma história sobre um mentiroso. Mas como dizia, há muita coisa nesse mundo que é contada e que pode ser confundida com a verdade quando não é de verdade uma mentira. 
   Não é história de um mentiroso comum, era “o mentiroso”. E tinha ouvido falar que na sua vizinhança mudou-se alguém mais mentiroso do que ele. Tomou a estrada e foi ter com aquele tirava o título de ser o mais mentiroso da região. 
   Chegando na casa da beira da estrada, procurou com os olhos e achou um garotinho com um chapéu todo furado, com as calças sujas e a barriga de fora. Chamou o menino e foi perguntando: “É aqui a casa do Zé mentiroso?”. O menino cuspiu dum lado e respondeu: “É sim senhor, por quê?” “Quero falar com ele” “Para quê?” “Ele tá por aqui? O assunto é sério.” “Num dá não, qual é a sua graça?” “Zeca”. “Pois é seu Zeca, ele saiu faz meia hora e foi conferir a colmeia lá na beira do rio porque faltou uma abelha na parte da manhã.”
   O homem ficou boquiaberto. Se o moleque mentia daquele jeito, imagina o pai. E voltou embora para casa prometendo para si mesmo nunca mais contar uma mentira em sua vida.
   Na verdade, mentira tem perna curta e hora ou outra acaba sendo revelada a verdade e o mentiroso descoberto. Não se sabe ao certo quando começou a mentira, mas dizem que começou no início do mundo e que devido à ela, o homem saiu do paraíso. 
   Hoje ainda se ouve muito muita mentira contada com a maior naturalidade como se fosse a verdade passada por mentira. Vive-se, então, uma mentira passada por verdade mas na verdade é uma mentira. E o tempo vai passando , a mentira vai parecendo mesmo uma verdade e acaba a mentira sendo a verdade. 
   E o que se faz? Acredita-se de tal modo nisso tudo que a vida vai perdendo o sentido e o errado passa a parecer o que é certo. Mas como eu disse, a mentira tem perna curta e a verdade aparecendo, pois queira ou não, mesmo que a noite seja longa o dia sempre amanhece, é isso que nos dá esperança, como uma colheita sofrida depois de uma longa estiagem. (DAILTON MARTINS, leitor da FOLHA. Página 2, caderno Folha Rural, espaço DEDO DE PROSA, sábado, 6 de Fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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