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sábado, 6 de fevereiro de 2016

O HOMEM DOS FONES DE OUVIDOS




   Tarde de verão, chuva anunciada. Estou eu tranquilamente tomando um café perto do antigo coreto e pensando na coluna do dia seguinte, quando escuto aquele ritmo inconfundível:
- Tchap-tchará! Tchap-tchará! Tchamp, tchamp, tchamp, tchamp, tchamp, tchamp, ow, ow, oe – tchará!
   Todo mundo que anda pelo centro da cidade o conhece. Ele usa uniforme: mochilas, boné, bermudas e, claro, fones de ouvidos. A aproximação do tipo é percebida muito antes de sua chegada. Eu o chamo de Homem Acústico, porque está sempre gritando no compasso da música que parece escutar pelos fones. Ele faz do Calçadão de Londrina e das ruas próximas o palco de uma festa sem fim, que não tem hora para acabar nem para começar. Considero o Homem Acústico um dos personagens mais típicos da Avenida Paraná. 
   Grita alto o Homem Acústico. Sua voz deve estar permanentemente rouca; nem todo mel e vinagre do mundo evitariam a rouquidão após o uso tão intenso das cordas vocais. Não sei se ele ouve funk, rap ou música eletrônica. Rock acho que não é. Outros estilos estão fora de cogitação. 
   Quantos quilômetros caminha o Homem Acústico todos os dias? Não sei, mas somando tudo que já andou daria para fazer uma viagem ao exterior ou, sejamos modestos, até Curitiba. Um médico de ouvidos, nariz e garganta poderia dizer se sua audição já foi prejudicada. Estará ficando surdo o Homem Acústico, qual um Beethovem sem sinfonias? 
   Não sei o seu verdadeiro nome, não sei onde ele mora, não sei o que faz para ganhar a vida. As palavras que grita para marcar o ritmo são incompreensíveis – pelo menos as que ouvi até hoje. Embora todos saibam quem ele é, o Homem Acústico permanece um total desconhecido. Trata-se muito mais de uma imagem e um som que trazem uma pessoa como acessório do que uma pessoa a emiir som e imagem. 
   Terá sonhos e pesadelos, talvez presságios, o Homem Acústico? Tem pai, mãe, irmãos, primos, tios, parentes distantes? Já se apaixonou por alguma mulher? Faliu, mentiu, plantou, dançou, enrubesceu? Assistiu ao nascer do sol, passou uma noite em claro rezando, teve déjà-vu, sentiu dor de dente, bebeu um gole de água na fonte dos anjos? Contou estrelas, brincou de esconde-esconde, torceu para o Tubarão? No Estádio do Café, encontrou-se com seu colega Luxemburgo, aquele que veste um surrado terno e finge que é técnico do time? (Aliás, alguém aí lembra que o Nuno Leal Maya já foi técnico do Londrina, assessorado pelo ator que fazia o Saci-Pererê?)
   No dia em que formos chamados, peço a todos compaixão pelo Homem Acústico. Façam gestos, coloquem-se na frente do cara, segurem-no pelo braço – só não deixem de avisá-lo que o fim está próximo. Não deixem que o nosso amigo e irmão perca a chance de viver a eternidade com sua música maluca., 
   Desconfio que ao chegar a sua vez, o Homem Acústico dirá a que veio. E então, quem sabe, compreenderemos que fomos os mais surdos , os mais cegos, os mais alheios. ( CRÔNICA escrita por PAULO BRIGUET. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br página 3, caderno Folha Cidades espaço AVENIDA PARANÁ- por Paulo Briguet, sábado, 6 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

Um comentário:

  1. Então o menino que canta pelo centro de londrina em alto tom recebeu o nome de homem acústico.....

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