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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

FÃ-CLUBE E POLÍTICA NACIONAL




         Como dizia Odorico Paraguaçu. De quantas confabulações-sigilísticas” é feito hoje um mito nacional

   Penso sobre a necessidade que o povo tem dos mitos, a ponto de hoje se devotar a defesas fervorosas de políticos bizarros que, com o tempo, irão passar à história como exemplo do populismo a qualquer preço. Ao tomar distância histórica da política e fazer a crítica à luz da inteligência de autores como Dias Gomes, passamos a perguntar de quantos Odoricos Paraguaçus e Dirceus o Brasil ainda precisará para refinar seu senso crítico e erguer as antenas da raça para reconhecer em si o bisonho e nas autoridades o ilícito. 
   O país que tem tietes capazes de erguer barricadas em frente a um fórum para defender um político investigado por suspeita de corrupção, não tem a mesma devoção por seus artistas. Fato que me leva a ter saudade das mocinhas que se descabelavam quando assistiam a shows de Roberto Carlos nos anos 60 ou dos fãs que faziam torcidas organizadas em torno de nome da MPB nos festivais da Record. Talvez como reflexo da infância , sempre preferi a histeria artística à política e torcidas anárquicas a militâncias uniformizadas. Mas a nação no momento sofre de uma febre ideológica que supera a dengue e se compraz numa guerrilha que põe no chinelo até as dramáticas partidas de futebol. O brasileiro mudou de paixão? Ou, como dizia Odorico Paraguaçu, de quantas “confabulâncias sigilísticas” é feito hoje o caminho de um mito nacional que leva parte do país a agir como um fã-clube?
   Na última segunda-feira, a pianista brasileira Eliane Elias venceu o Grammy Latino de Melhor Álbum de Jazz, um feito memorável que mereceu matérias curtas na imprensa nacional. Ela é mais conhecida lá fora que em seu país. Vi a notícia na página do baterista londrinense Bruno Cotrim, que recentemente participou de um turnê na Europa como integrante do quarteto de Rony Marczak, artista que também leva ao mundo o lado bom do Brasil, o lado que eu queria ver crescer o lugar dessa rede de intrigas que toma o noticiário.
   Os artistas brasileiros travam uma eterna batalha por reconhecimento, muitas carreiras carecem de apoio. Investimento e – por que não? – publicidade. Infelizmente muitas vezes dedicada à arte marqueteira de quem atende somente ao mercado. Não à toa, no país do populismo crescem o axé e a música sertaneja, numa inversão do gosto nacional que reconheceu artistas da estatura de um Pixinguinha e hoje se contenta com Fernando e Sorocaba. 
   Na relação política o constrangimento se repete. Fico pensando por que o Brasil que já teve um JK se joga numa relação simbiótica com Lula, que deixou ao país, programas importantes mas que hoje já não se equivalem ao seu custo social e cultural. Alguém me explica como a lei nacional de incentivo à cultura chegou a contemplar um livro sobre a carreira de Cláudia Leite, autorizada a captar cerca de R$ 350 mil reais tirados do nosso imposto? O que justifica o rebaixamento de um edital a um projeto de pouco interesse tendo em vista a carreira de uma cantora que já teve shows cancelados por falta de público? Quais são os critérios? Quem determina que um projeto pessoal se erija como de interesse nacional nas artes ou na política? Na última quarta-feira, a assessoria da cantora divulgou que, na verdade, o projeto do livro, aprovado em 2014, foi abortado e, 2015. Ainda assim pesa a gafe da aprovação na Lei Rouanet.
   Leis de incentivo à cultura existem para identificar e ressaltar valores, artistas que se abrem ao novo, que correm os riscos de um mercado incerto, que elevam o país a um patamar que faça a gente sentir orgulho da música, da literatura, do cinema criativo. Mas no país da mitificação sem crítica, ainda prolifera um jogo de interesses que engole a política e a arte com fã-clubes pautados pela conveniência, não pelo mérito. Onde foi parar nosso discernimento? Nunca as frases de Odorico Paraguaçu fizeram tanto sentido na boca de políticos contemporâneos: “Calunismos. Eu também sou meio socialista. Não da ponta esquerda... do meio de campo caindo para direita!” E tem gente que aposta nisso fazendo datietagem seu voto. ( celiamusilli@gmail.com. Página 4, caderno folha 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 21 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLH DE LONDRINA).

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