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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

AQUI JAZ UM FOGÃO


   Aqui jaz um amigo. Na República do Humaitá, número 143, nós tínhamos um fogão Dako. Era nosso fiel companheiro, sua chama nunca se apagou. Teve gás para acompanhar várias gerações de universitários esfomeados e pouco afeitos às artes da culinária. 
   Aqui jáz um herói. Quando eu chegava de madrugada, depois de uma noite de farra no Araucana ou no Clube da Esquina, ou mesmo vindo de uma festa em outra república, tudo que me restava era um Dako e um pacote de Miojo para não morrer de fome antes de dormir. Graças a ele eu não dormia para sempre: sobrevivi para contar a história.
   Aqui jaz um forte. Parecia indestrutível, jamais precisou ir para o conserto. Durante aqueles churrascos intermináveis, que começavam à tarde e só terminavam na manhã do dia seguinte, o fogão Dako se transformava em sólido apoio para nossos copos e garrafas de cerveja. Sobre o seu tampo de ferro discutíamos planos para a revolução mundial, os quais felizmente nunca deram certo. Até que um dia...
...até que um dia os companheiros chegaram ao poder. Quando isso aconteceu, a República do Humaitá não existia mais. Em seu lugar ergueu-se um prédio de apartamentos. A casa foi demolida, a pracinha ficou mais triste, o nosso amigo de quatro bocas desapareceu em algum ferro-velho da vida. Nós já não acreditávamos no PT, mas o PT acreditava em si mesmo. Nascida a República Sindical. 
   Era o começo do fim. O Dako enfrentou com galhardia o getulismo, a ditadura militar, a hiperinflação de Sarney, a comédia-bufa de Collor, a vaidade de FHC. No entanto, quando chegou ao poder aquele que reverenciávamos na época do Miojo, a chama começou a se apagar.
   E terminou de apagar no governo desta senhora que jamais foi habilitada a dirigir fogão algum neste mundo – que dirá um país. Diante da criminosa incompetência que tomou conta do Brasil, nem mesmo o pulmão de aço do nosso querido fogãozinho conseguiu manter-se vivo. Acabou o gás. 
   O Dako morreu de morte matada: sobreviveu a tudo, menos ao PT. Aqui jaz um guerreiro que nunca negou fogo aos amigos e inimigos. Morreu silenciosamente, mais discreto que um micro-ondas desligado. Ironicamente despediu-se do mundo na mesma semana em que um personagem muito célebre – aquele da época do Miojo – escapou do depoimento à Justiça. Entre o fogão de metal e o ex- metalúrgico há um universo de diferenças. 
   Se você prestar atenção, sentirá que as coisas da casa estão tristes. A geladeira suspira e derrama uma lágrima fria, a televisão hesita entre um programa e outro e o seguinte: o liquidificador engole em seco; a campainha anuncia as visitas um tom abaixo; o relógio faz um minuto de silêncio e até o celular dá sinal de melancolia. É o luto dos objetos. No fundo, eles sabem: amanhã pode ser a vez deles. ( Fale com o colunista: avenidaparaná@folhadelondrina.com.br página 3, coluna AVENIDA PARANÁ, por PAULO BRIGUET, Folha Cidades, quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016. Publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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