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domingo, 3 de janeiro de 2016

DEBATER NÃO É MACHUCAR


    Tenho amigos que adoram debates e arrumam muitas encrencas, eu mesma arrumo encrenca, sobretudo na rede social. Às vezes faço uma promessa íntima de “ficar boa” como nas empresas em que contamos os dias sem acidentes, mas do nada alguém ou eu mesma risco um fósforo e lá se vai a promessa. 
   Mas o ano acabou, outro começa e hoje quero dizer que a treta é fundamental, não aquela rancorosa, mas aquela que faz a gente se conhecer melhor. Leva-se muito tempo na vida para se procurar uma treta sem rancor, um arranca-rabo sem dodói, uma discussão em que podem até voar penas, mas isso não significa o rompimento de um tipo de cumplicidade que a gente só estabelece com pessoas especiais.
   Os grupos  existem para que a gente se conheça melhor e rola afeto entre as pessoas, afeto com treta mesmo, Conheço pouco a maioria dos meus interlocutores na rede, gosto muito de alguns, um ou outro conhecia de outros lugares e tempos, mas a maioria é desconhecida. Então, para começar o ano, quero dizer que talvez eu crie encrenca ainda, mas não tenho rancor, nem tempo sobre discussões pela eternidade. Acho que a gente se conhece melhor quando passa junto por todo tipo de emoção, se não fica uma relação de sala de visitas, prefiro debates na cozinha, de preferência comendo e bebendo em volta da mesa. 
   Venho de uma família simples, mas politizada. Debater era comum lá em casa, perdi a conta de quantos discursos vi meu pai fazendo contra a ditadura na hora do almoço, quando ele enaltecia os russos e criticava os americanos. Hoje nem esquerda temos no país, trata-se de uma ex-querda que toma atitudes que a chamada direita tomaria, estão aí as políticas ambientais e indígenas para representar o governo mais autoritário que tivemos nas últimas décadas em relação a esse tópicos tão caros. Mas não vou fazer discurso, hoje venho tranquila, desejando oposições mais civilizadas em 2016. 
   Na infância, enquanto meu pai se ocupava dos assuntos nacionais, minha mãe opinava sobre as políticas locais, falava de prefeitos, vereadores, governadores. Em época de eleição acompanhava com total interesse os resultados em programas de rádio, torcendo por esse ou aquele candidato a cada urna apurada. Abordo tudo isso para dizer que discutir política não é novidade para mim, é um hábito como comer mingau de aveia. Normalmente tendemos a fortalecer aquilo que está enfraquecido e para nós tem um valor. No momento, por exemplo, também luto para restabelecer a ética nas relações políticas, nas relações culturais, porque ela se perdeu visivelmente, estamos na hora do caos. Acredito que os debates são um laboratório, nele trocamos e testamos argumentos que vão servir para a selva da realidade. Mas tem a pequena selva de dentro, a selva interna e dos amigos próximos, com a qual temos de lidar através da diminuição das vaidades para conhecer melhor o outro. 
   Não devemos perder as chances de conhecimento e isso não é apenas uma potência cerebral ou intelectual, é uma potência afetiva também, emocional, psíquica, que se move nas relações, onde está presente a harmonia e o destempero. 
   As pessoas confundem pontos de vistas diferentes com discórdia, diversidade com oposição, ideias com pessoas diferenças com brigas. Relações maduras incluem a educação para o debate, neste ponto o Brasil engatinha num universo de democracia nova mas acredito que chegaremos lá sem precisar sacar a arma ou formar panelas que se contentam apenas com os iguais. Na diferença é que está a liberdade de pensar, exercício essencial. Então, Feliz Ano Novo e paz na terrinha. ( celia.musilli@gmail.com página 4, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 3 de janeiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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