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quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NATAL: DEUS DESCE


   “Eu desci” (Ex 3,7). Deus desce para libertar o povo hebreu, escravo no Egito. Desce em Belém, na estrebaria, no imundo. Deus é descido da cruz e colocado nos braços de sua mãe. Desce até a mansão dos mortos, desce ao túmulo quando Jesus é sepultado. 
   Eis o Deus da descida, da saída de si, do abaixamento. Deus desce, vem antes, vem primeiro, se antecipa, tem a iniciativa da procura. Desce porque ama. Quem ama cuida e quer estar perto. 
   Deus desce em Pentecostes, na descida do Espírito Santo. Desce em cada consagração eucarística. Desce e faz morada no coração humano. Desde e habita no pobre, no preso, no doente, no peregrino. Deus vem ao encontro, quer dialogar, estar perto de nós, em nós. Deus conosco. Isso é tudo. 
   Deus desce até nossa situação, está nos acontecimentos, nas feridas, nas provações, nas experiências de nossos pecados. Deus desce onde dois ou três estiverem reunidos em seu nome, como desce para erguer todos os caídos. Ele é o “Eu sou. Eu estou”: “Eu sou aquele que está convosco”. 
   Ele inclina seus ouvidos para nos ouvir, enfaixa nossas feridas, tira o pobre do lixo e o faz sentar-se entre os nobres. Ele desce até o útero onde somos gerados e nos modela, faz a estéril ser mãe de muitos filhos.
   Deus desce até a matéria, se faz óvulo, bebê, carne, menino. Se faz pão, se faz escravo e pequeno. Eis o mistério da encarnação e a espiritualidade do Natal. 
   Para encontrar Deus, precisamos aprender a descer. Há uma descida pela qual todos passamos, isto é, o envelhecimento e a morte. É preciso aprender a descer.
   Descer do nosso status, do nosso trono, do nosso cargo, da nossa superioridade e também descer do cavalo. Descer até o chão e até ao irmão, ao inimigo. Quanto mais descemos. Mais nos elevamos.
   Descer até o nosso interior, ao nosso eu profundo, às nossas sombras, ao nosso lado podre, é a maior viagem da vida. Essa viagem de descida nos enobrece, eleva, liberta, enaltece, amadurece.
   Descer ao nosso barro como acontece ao grão de trigo. Grão que se tornará trigal.
   Às vezes, para descer precisamos ser empurrados pela graça de Deus, para que possamos cair em nós mesmos e nos levantar recuperados. Desça sobre nós o Espírito Santo para iluminar nossas descidas que nos fazem renascer. 
   Como o filho pródigo desceu até ao fundo do poço e caiu em si, precisamos muitas vezes de experiências fortes, ir ao fundo do poço, para renascer. Descer até a nossa consciência para ouvir a voz de Deus que grita: fazer o bem e evitar o mal. 
   Natal é Deus que desce para nos elevar. Natal é um chamado à humanidade, à descida dos montes elevados do orgulho, para as profundezas de nossas sombras, feridas, fraquezas. É assim que renascemos e nos tornamos criaturas. Quem desce se eleva. (DOM ORLANDO BRANDES, arcebispo de Londrina, página 2, ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 24 de dezembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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