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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

CONTO DE UM NATAL DE LUZ



   Para nós, eletricistas de concessionária de energia, a suspensão de fornecimento, ou corte, como queiram, é a pior das tarefas, momento delicado e tenso onde o respeito ao consumidor é, acima de tudo, fundamental. 
   Vale lembrar que, no dia a dia, nos deparamos com verdadeiras tragédias sociais e dramas familiares.
   Hoje me veio à lembrança um acontecimento marcante ocorrido na semana do Natal do ano passado, lembrando que, para mim, tarefa dada é tarefa cumprida. 
   Durante a execução dos “cortes” do dia, eis que chego a uma casinha de meia-água, humilde, num bairro da periferia da cidade... Muro baixo sem reboco, portão quebrado e um cachorro magro deitado na varandinha da frente. 
   Bato palmas de praxe e ninguém me atende... Ao baixar o disjuntor percebo que a tv, em volume alto, emudece... Simultaneamente abrem-se as ventarolas do vitrô da sala e pelas frestas observo três pares de olhinhos brilhantes. 
   Pela porta da sala saem três crianças, a maiorzinha, uma menina de dez anos, é seguida pelos irmãos menores.
   -Você desligou nossa luz, moço? Perguntou a menina e emendou:
   - A gente estava assistindo desenho! 
   E seguiu questionando:
   - Vamos ter que tomar banho na água fria? 
   Lembram do respeito ao consumidor? Então... Aí quem iniciou os questionamentos fui eu:
   - Onde está seu pai ou sua mãe? 
   - Estão cortando cana para comprar nossos presentes de Natal! Ponderou e continuou:
   - Hoje é sexta-feira, dia do pagamento da semana... Você não vai deixar a gente passar o Natal sem luz, né moço? 
   Enquanto eu conversava com a menina, os irmãos observavam calados, comendo pedaços de pão seco... Ato contínuo, religuei o disjuntor e lacrei a caixa de medição, retornando a energia. 
   Procuro fazer meu trabalho obedecendo as normas da empresa, porém, minha alma ainda não perdeu a ternura. 
   Tenho consciência que não conseguirei resolver os dramas do mundo, mas, se eu insistisse naquele ”corte” penso que estaria aumentando minha coleção de fracassos!
   Voltei pra base e contei ao gerente (outra alma bendita) que, imediatamente, imprimiu as contas em atraso e me ajudou na quitação dos débitos que não era tanto dinheiro assim!).
   Pela primeira vez em dez anos não fui ao Correio pegar a cartinha do “Papai Noel”, os presentes do ano e a Cesta de Natal decidi levar para as crianças dos olhinhos brilhantes (Mariana, Cléber e Jéssica), que por ora queriam, apenas, assistir ao desenho animado e tomar banho quente. 
   Um Natal de luz para todos vocês! (JOÃO CÂNDIDO DA SILVA NETO, eletricitário em Santo Antônio da Platina, página 2, espaço CRÔNICA, quarta-feira, 23 de dezembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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