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segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

A DESIGUALDADE NO BRASIL TEM COR E TEM AGENTE


   Fiquei feliz ao ver os resultados alcançados pelas políticas de ações afirmativas divulgados na matéria. “Uma década de atraso” (Geral, 5/126). Eles mostram que estamos seguindo no caminho certo em busca da equidade racial. Editorial da Folha de Londrina, publicado no mesmo dia, aponta que somente a inclusão de negros no ensino superior não resolverá a questão. Nesse ponto concordo, porém, está no apontamento do “cerne” da questão. O texto diz que o problema é, apenas, o déficit educacional do público-alvo das políticas. Sinto informar que o problema é bem mais complexo. 
   Sempre tive o sonho de ser estudante da UEL, acredito que este seja o desejo de todo londrinense que almeja uma carreira universitária. Mas, assim como a maioria da população, acreditava que apenas meu “atraso” educacional, por ter cursado todo meu ensino fundamental e médio em escolas públicas, frustrava este objetivo. 
   Entrei no curso de jornalismo em 2006, por meio das cotas raciais. Pensava que no ambiente acadêmico, espaço ocupado por pessoas instruídas, não sofreria o racismo e a discriminação que me acompanharam tortuosamente ao longo de toda minha vida. Que a indiferença de alguns professores com minhas dificuldades (normal para qualquer ser humano), que os comentários maldosos sobre meu cabelo e minha cor de pele, que as demonstrações (explícitas e implícitas) de que eu era indesejada em determinados espaços e a atitude de ser preterida para determinados cargos ou posições por não ter “a qualificação necessária seria” ou não ter “o perfil da empresa” iriam ficar no passado. Infelizmente eu estava enganada. 
   O editorial demonstra uma preocupação com a formação desses alunos negros, mas, me questiono, em que sentido essa preocupação se faz verdade, já que esses alunos frequentam o mesmo ambiente universitário que os outros alunos? As cotas, sejam sociais ou raciais, tem um diferencial, apenas, na admissão dos alunos na universidade, e não em sua saída. Para isso, concluir a graduação, precisamos concluir o mesmo currículo pedagógico que os demais discentes.
    A avaliação de sistema de cotas, que ocorreu na UEL em 2010, apontou que os alunos cotistas apresentam um desempenho acadêmico igual ou superior aos não cotistas. Entre os cotistas o número de desistência do curso é menor (esses dados estão disponíveis no site da instituição). Aliás, esse é um quadro que se repete em diversas universidades. Enfim, é realmente a formação desses profissionais que preocupa a sociedade?
   Quando falamos de cotas, falamos de racismo. Este mal que desumaniza, que nega a cidadania e que mata a juventude negra todos os dias nas periferias do país (como foi o caso de cinco jovens negros que tiveram o carro alvejado 111 vezes pela PM do Rio de Janeiro, no dia 28 de novembro, e tantas outras mortes).
   O maior problema do racismo no Brasil é ser um mal sem agente. Todos reconhecem que o país é racista, mas ninguém se reconhece como tal. Como diz Kabenguele Munanga, é um crime perfeito, pois, você nunca encontra o culpado para responsabilizá-lo por seus atos. O racismo do Brasil está presente em nossa cultura e não podemos ignorar que esta mentalidade pode interferir na escolha dos profissionais que irão compor o quadro de funcionários da empresa. 
   Não é apenas o sistema educacional que precisa de uma reforma profunda, mas também o comportamento naturalizado que sempre pressupõe que pessoas negras são incompetentes, negando a estas oportunidades de crescimento profissional, com o olhar que todo ser humano precisa para ser reconhecido como tal. A superação do racismo é peça chave para o fim da desigualdade no Brasil. 
   Quantos séculos negros e negras precisarão aguardar, pacientemente, para que o mundo maravilhoso da educação pública e de qualidade aconteça para que sejam inseridos de forma equânime no mercado de trabalho e ter, enfim, uma vida digna? ( SÍLVIA CASTRO, jornalista, mestra em Ciências Sociais pela UEL e doutoranda em Sociologia pela Unicamp, página 2, ESPAÇO ABERTO, sexta-feira, 18 de dezembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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