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quinta-feira, 26 de novembro de 2015

UM POUCO DE LUZ ENTRE O DINHEIRO E O CHUMBO



   Dignidade e autoconhecimento talvez sejam  o primeiro passo para a construção de uma sociedade menos desigual – ou, em outras palavras: no es sólo la plata, hermano!
   O seriado Narcos caiu nas graças do público. Numa das primeiras cenas, Wagner Moura lança uma frase célebre: “Plata o plomo, Hermano?”. Ele encarna o narcotraficante Pablo Escobar, morto em 1993. A frase, dita em uma tentativa bem-sucedida de suborno, soaria em bom português como: “Grana ou chumbo, irmão?”. Parece banal, mas será esse o nosso ponto de partida,
   Como se sabe, há tempos o dinheiro é o motor da humanidade. Se tenho, bem, resolvo alguns problemas. Se não tenho, amém – preciso de um milagre por dia para enfrentar as dores do planeta.
   Só que alguns têm de menos. E, em uma sociedade em que se tenta vender tudo, não ter dinheiro significa ter a dignidade roubada. Sem recursos moro na periferia, tenho limitado acesso à escola e, quando do tenho, a qualidade é péssima; sem poder pagar plano de saúde, me submeto a dormir no chão do hospital, esperando auxílio, e morro antes do atendimento – ou, com sorte, recebo uma dose de dipirona para aliviar a minha pancreatite. É plata o plomo.
   Estamos acostumados com a dualidade. Mas, diferentemente da escuridão, que é falta de luz, pobreza não é apenas falta de dinheiro. No contexto em que vivemos, é subtração de dignidade. Com reduzido poder econômico, não ganho  direitos. Falam por mim. Posso receber ajuda, desde que não seja para beber. Se sou idoso ou deficiente, além de pobre, o Estado de garante algum benefício, desde que eu seja um miserável ao ponto de ganhar menos de um ¼ de salário mínimo. E la nave va.
   Um parêntese. Fica o leitor convidado a olhar o artigo 6º da Constituição. Lá estão alguns direitos que me são praticamente dados, quando tenho pouco.
   Retornemos, porém. E afirmemos: essa realidade é herança antiga. Com a História, é possível perceber que, pouco depois da Revolução Francesa, lá em 1789, muita coisa mudou. Por ser uma  revolução burguesa – no sentido literal -, o seu sucesso fez o valor dado ao status de bem-nascido ser substituído por outro: o de trabalhador. Difundida essa ideia, criou-se o mito de que,  se não tenho é porque não trabalho. De certa forma, foram esquecidos os privilégios de berço, Até pecados mudaram. O pecado capital da melancolia virou o da preguiça, já que tenho de ser punido por não trabalhar. Se  tenho, é porque mereço, e o outro deve saber perder e se calar diante da minha vitória. Por isso, agora, sou eu quem dita as regras. E o pobre fica mudo.
   O que fazer? Bem, difícil supor. Mas há alguma sugestão. Recentemente, o jornal “The New York Times” veiculou um artigo em que o autor, criticando a falta de influência de populações carentes sobre seu próprio futuro, apresenta a atuação de uma associação sem fins lucrativos em Houston, Texas. Nela, as pessoas da periferia são estimuladas a pôr a mão em suas vidas, com a noção de serem parte da solução, e não o problema.
   Ao invés de apontar o que há de errado com elas, pergunta-se o que acham que  deve ser feito. São promovidas aulas de políticas públicas, para que entendam o que podem fazer para a melhoria de sua comunidade. Conjuntamente, são questionados os desejos, formas de enfrentar buracos nas ruas, deficiências nas escolas. O trabalho é de longo prazo – a associação existe desde 1907 -, mas vem apresentando resultados positivos, melhorando a qualidade de vida das pessoas.
   Isso é educação, é dignidade. É a construção da Democracia.
   Sem dinheiro ou chumbo, bem ou mal, bonito ou feio.  Deus,  nem só de oposições vive o mundo! Sempre há, antes de tudo, uma terceira estrada – a da racionalidade. ( LUCAS DINIZ, trabalha na Defensoria Pública da União e é estudante de Direito na Universidade Estadual de Londrina, página 2, ESPAÇO ABERTO, quinta-feira. 26 de novembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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