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domingo, 8 de novembro de 2015

COMO SONHAR POEMAS



   Sonhos nos abrem as portas para muitas coisas, mas é preciso saber “ouvi-los”


   Outro dia tive um sonho interessante, estava num desses lugares isolados do Brasil, num desses confins que misturam áreas plantadas e florestas. Estava ali para fazer um trabalho e diante de um campo cultivado, que se misturava à paisagem primitiva, conversava com uma pessoa sobre a capacidade de se adaptar a lugares novos. Então, eu disse: “a gente precisa aprender a ouvir o silêncio”. Fiquei ali bem quietinha, admirando o lugar como sempre faço quando encontro uma paisagem nova, para quebrar o silêncio só se ouvia o vento, que é também um elemento quase silencioso porque exige treino para ser ouvido. Por isso tem gente que nunca escuta, não presta atenção a ele, mas no sonho eu tinha ouvidos de bicho.
   Os sonhos sempre intrigaram a humanidade, desde as profecias bíblicas inspiram as pessoas a tomarem decisões e atitudes, como se os olhos de dentro vissem coisas que às vezes é difícil enxergar com os olhos de fora. Dentro de nós as coisas existem como imagens, tanto assim que Freud tomou a imagem como “linguagem do inconsciente”, esse mesmo que muitas vezes se expressa no sonho.
   Conheço pessoas que jogam na loteria baseadas em sonhos, levam a sério cada dezena ou centena que vislumbram como possibilidade de aumentar a fortuna, mas sua meta sempre é ganhar na milhar, os seres humanos sempre desejam mais do que às vezes realmente precisam. Conheço pessoas que sonham com futuros amores e futuros negócios, são intuitivas a ponto de anteciparem em vários dias ou anos um acontecimento que determina o rumo de suas vidas.
   Entre meus sonhos mais instigantes está aquele em que vi uma casa com as paredes escritas. Tempos depois, vi uma foto que reproduzia exatamente essa imagem, uma casa escrita do chão ao teto, mas nunca soube direito o que me sonho significava, a não ser que t vivo também  numa casa de palavras.
   Alguns autores estabelecem a diferença entre “olhar com olhos de dentro” e “olhar com olhos de fora”. Para ter atenção focada, “olhar com olhos de fora” não é suficiente, neste caso normalmente a pessoa é dispersiva, qualquer coisa lhe desvia a atenção, sendo seu olhar muito passageiro sobre tudo. Já “olhar com olhos de dentro” significa ter atenção focada, fazer associações dos acontecimentos ou das circunstâncias  com seu repertório, sua cultura, de modo que a costura do externo e do interno resulta numa aprendizagem. Assim, por exemplo, é possível oferecer um recurso cognitivo nas salas de aula, quando o professor oferece ao aluno conteúdos que se somam à sua bagagem cultural, fortalecendo as referências e ampliando sua compreensão.
   De certa forma, o sonho e a somatória dos fatos mais corriqueiros ou de nossas preocupações cotidianas com conteúdos ou camadas profundas de nossos desejos, alguns que até desconhecemos. Não ignoro que meus sonhos com campos cultivados dividindo  espaços  com as florestas tem a ver com a realidade do Brasil, da mesma forma que tem a ver com meu desejo de que as florestas originais possam conviver com modos produção sem a extinção da natureza e sem a extinção do homem.
   Mas a frase que disse durante o sonho, “é preciso ouvir o silêncio”, trouxe-me outro enigma, como se exigisse de mim uma acuidade que está além dos palavrórios, dos noticiários e dos discursos. Essa frase tem alguma coisa de sabedoria primitiva, de conselho para que eu não me perca nas aparências do mundo, mas busque a sabedoria de ver as coisas com outros olhos. Por isso, tomei meu sonho como motivação para a poesia, que também me leva a considerar a subjetividade da linguagem oculta que, no entanto, pode significar tantas descobertas. Até por isso, foi possível transformar este sonho nma crônica, num texto e daqui pretendo ensaiar novos voos, no fundo, sei que ando sonhando poemas. ( celia.musilli@gmail.com  página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI , domingo, 8 de novembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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