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sábado, 26 de setembro de 2015

SINGELEZAS




   Era uma vida tão singela numa cidade tão pequena, cujo nome, se escrito, era maior que o mapa, nome de santa protetora, mostrando valores, alegrias, também escondendo dores e feridas, como em qualquer parte e em todos os tempos, mas bem diferente de hoje em dia.
   As pessoas se davam bem e cultivavam grandes amizades. Eram comadres e compadres, vizinhos e parentes, velhos amigos e conhecidos, da roça e da cidade. Presenteavam-se com produtos da própria terra: verduras, frutas, milho verde. O que um tinha em sua casa ou sítio, todos tinham também. Não era preciso comprar, nem tinha onde comprar, com exceção dos produtos básicos: açúcar, sal, fumo, farinhas, doces, bebidas, o arroz da máquina de beneficiamento, produtos de armarinho.

   A carne de porco era um caso à parte: as pessoas costumavam criar porcos e galinhas em seus quintais. Quando se matava um porco, havia um costume, praticamente seguido por todos e que me faz lembrar minha mãe e minha avó. Elas separavam vários pedaços, colocavam em pratos, cobriam e amarravam com o guardanapo. As crianças já ficavam arrepiadas quando vinha a ordem: “Leva este para a tia Ercília, este para a comadre Maria, Aquele para a comadre Alzira, esse outro para a dona Rosa”. E lá íamos nós, de casa em casa, com o recado previamente decorado: “Minha mãe mandou falar para a senhora não reparar porque o porco era pequeno”. E assim, com esse costume simples, não faltava mistura nas panelas das amigas e  vizinhas.
   Outro costume era que as pessoas se visitavam. Colocavam uma roupa de sair e iam realmente visitar a vizinha, a amiga ou comadre. Conversavam muito, colhiam frutas, faziam café e trocavam novidades.
   Havia muitos casamentos na igreja e como minha mãe era costureira, eu me lembro que as noivas iam se arrumar em nossa casa, enquanto os convidados esperavam no quintal, ansiosos. Assim que ficava pronta, a noiva seguia a pé até a igreja, com o cortejo atrás.
   Não havia lojar com roupas prontas, mas de tecidos. As mulheres compravam os tecidos e acompanhavam  a moda mandando fazer seus vestidos nas costureiras, escolhendo os modelos nos figurinos da época, umas revistas com peças encantadoras. Na roça, o tempo da compra de tecidos era o final da colheita, quando as pessoas tinham dinheiro. Então os pais iam às lojas e compravam peças inteiras com as quais faziam roupas para todos. Era comum as crianças usarem roupas de tecidos iguais, quando não, toda a família.
   Os sapatos também eram uma raridade, por isso a gente economizava. Se a caminhada era longa, tirava-os e colocava-os quando chegava ao destino. O problema é que os pés cresciam muito rápido, perdíamos os sapatos ou ficava para os irmãos mais novos. Lembro-me que era comum as crianças irem descalças para a escola, sem nenhum constrangimento.
   Como as roupas, sapatos e outros objetos eram sempre limitados, comprar sapatos ou vestir uma roupa nova tinha um gostinho especial. E a gente reparava quando alguém estava de roupas e sapatos novos, ficando uma pontinha de inveja.
    Com o tempo passando, a vida foi mudando, adquirindo novas formas de progresso, de desenvolvimento, é claro, sem a rapidez de hoje, mas com um encanto muito especial, que transformava cada dia, cada novidade, num motivo de alegria verdadeira e que hoje se resumem em ternas lembranças. ( ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, página 2, FOLHA RURAL, espaço DEDO DE PROSA, sábado, 26 de setembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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