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sábado, 8 de agosto de 2015

O COMÍCIO



   No empo em que não eram proibidas campanhas políticas escancaradamente demagógicas, nem havia problema se um candidato falasse mal do outro. No tempo em que os discursos eram belíssimos, mas ninguém prestava atenção, se era democracia ou não, isso não vinha ao caso. Também era permitido  ( e permissivo) muita briga entre os eleitores que ficavam de mal, xingavam, escreviam propagandas nas casas, nos postes e barrancos, apostavam dinheiro na vitória do seu candidato e eram fiéis até o dia das eleições. Depois, aí era outro caso. Era uma guerra sem mortos e sem feridos, sem muitos sentimentos, mas com muitos ressentimentos, compra e venda de votos, troca de favores, outros descaramentos e muita diversão.
   A cidade era pequena, os votos eram contadinhos  e os comícios, as grandes festas. Ah, isso era bom demais, tanto que  lembranças dos discursos não tenho nenhuma, ao contrário do que acontece nos comícios. Esses eram feitos na cidade, no distrito ou na zona rural.
   O povo avaliava qual candidato estava mais forte: era aquele cujo comício tinha  mais carros. E na época nem havia carros na cidade. Mas apareciam não sei de onde para dar glamour. E os caminhões, cheios, não importando se de crianças, jovens, se votavam ou não. Era a diversão do momento. Quem não dia, perdia. O povo ia cantando, gritando, provocando, quase caindo de cima do caminhão. No dia seguinte vinham os comentários, as brigas entre as torcidas eleitorais.
   Nos comitês, as músicas se misturavam, os locutores eram contratados para fazer propagandas. Vinham cantores, políticos importantes, artistas e tudo virava festa.
   Havia uma dupla sertaneja, Serelepe e Lagartixa, bem original, que cantava nos comícios. A mulher, uma negra bonita, com saias estampadas e rodadas, blusas coloridas tipo cigana, enfeites no cabelo. O homem, seu marido, alto, magro, trajes gaúchos. Ele tocava violão e ambos cantavam músicas de Cascatinha e Inhana e de outras duplas da época. E compunham músicas para os candidatos, bem assim: “Lá vem o seu Z com seu caminhão cheio de frores. Que comício é esse, seu Z? São os inleitores. Lá vem o seu V, com seu caminhão, sem nada. Que comício é esse, seu V? É mancada”.
   No dia das eleições, os cabos eleitorais faziam boca de urna quase dentro da urna, iam buscar as pessoas em casa, na zona rural ou na cidade e jurava que o voto era secreto, mas todo mundo sabia em quem o outro tinha votado.
   Depois das eleições, os vitoriosos comemoravam, os perdedores ficavam quietos até a poeira baixar. Os que tinham cargos públicos se conformavam em perdê-los, caso tivessem votado contra. Novos assumiam os cargos, favorecidos pelo apoio nas eleições, mas sempre ficava alguém descontente e desempregado por não ter sobrado nada pra ele.
   O que vinha depois, não me lembro, talvez minha visão de criança achasse que tudo aquilo acontecia para que as  pessoas se divertissem por um bom tempo,tempo de política, quando davam vazão aos seus sentimentos e ressentimentos e depois se calavam, resignados. Algo muito parecido com o que acontece hoje. ( ESTELA MARIA FERREIRA, leitora da FOLHA, página  2, espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 8 de agosto de 2015).

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