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domingo, 2 de agosto de 2015

O ABATE COVARDE

        
         
   Morte do leão Cecil revela o sadismo humano como doença sem cura.


   No dia 30 de Juno um leão do Zimbabwe fo atingido por uma flecha disparada pelo dentista norte-americano Walter James Palmer.. A flecha não atravessou apenas o corpo de Cecil, como o leão era chamado. Na verdade, ela atravessou o continente e atingiu profundamente quem gosta de animais e quer protegê-los, seja na África, na Europa ou nas Américas. O mundo ficou consternado ao perceber que a falta de consciência ainda se abriga atrás de “esportes”que visam espécies em extinção com o sadismo peculiar da humanidade que não identifica a preservação da vida como um fator de evolução.
   Séculos de história, ciência e cultura ainda não são suficientes para que se reconheça o leão como um animal sublime, símbolo da força e da realeza, esplendor dos animais selvagens que já mereceram poemas como “O Tigre” de William Blake, ou “A Pantera” de Rainer Maria Rilke.
   Encantadores, os leões são referências nos livros de Rudyard Kipling ou nos filmes que os transformaram em vilões como o clássico “A Sombra e a escuridão”(1996), dirigido por Stephen  Hopkins, abordando a história real de leões que, no século 19 – perturbados pela construção de ferrovias na África – passaram a atacar aldeias, matando dezenas de pessoas. Mas, ao contrário do que mostra o cinema ao explorar casos extremos, normalmente os leões preferem ficar longe do homem, talvez por identificarem a espécie humana como predadora das outras espécies pela necessidade de alimento, mera vaidade ou desejo de provar supremacia. As duas últimas características fazem parte da personalidade de indivíduos como o dentista americano que considero portador não só de armas, mas de um tipo de psicopata que transforma a  destruição de outro ser em trunfo de competição esportiva. Não vejo diferença entre assassinos de animais e assassinos de pessoas, para mim todos padecem da falta de escrúpulos que ronda a humanidade, levando-a à necessidade de  matar para provar onipotência.
   O leão que recebeu a flechada ainda resistiu até ser morto no dia seguinte por um tiro do caçador profissional Theo Bronchorst, da empresa Bushmen Safaris. Já Palmer, o americano que flechou o leão, ao ser inquirido sobre sua prática, carimbou sua ignorância ao declarar que “matou Cecil sem saber que ele era famoso”. Referia-se à popularidade do animal que era extremamente dócil, além de líder de um bando que vive sob proteção no Parque Natural de Hwange. A resposta de Palmer demonstra um latente desrespeito à vida que ele considera mais ou menos preciosa de acordo com o grau de “fama” de sua vítima. Seguindo seu raciocínio, ele seria o tipo de pessoa que pouparia artistas de cinema, mas não titubearia em disparar contra pessoas comuns.
   A morte de Cecil marcou a semana como mais um forte indício da estupidez humana. Crime parecido ocorreu recentemente no Brasil quando uma onça preta foi abatida numa comunidade próxima ao rio Solimões no Amazonas. No Brasil a lei proíbe que se mate animais silvestres, a única exceção é quando existe ameaça à vida humana, coisa difícil de ser comprovada quando o ataque ou abate ocorre no meio da mata.
   No caso do leão africano, a matança deu-se com requintes de crueldade, com os caçadores atraindo o animal para fora da reserva para praticarem o “esporte” que transforma o abate covarde em prêmio. Os matadores de Cecil devem ser implacavelmente caçados até serem extraditados dos EUA para o Zimbabwe onde devem responder por seu crime, levando de volta à sua terra natal a cabeça e a pele da vítima que tomaram como troféu. A força da opinião pública é importante para que sejam punidos esses bichos selvagens que portam armas e sorriem ao lado de suas caças como protagonista de um grande feito.  Do impulso primitivo  à barbárie da civilização, o sadismo é uma doença antiga e, ao que tudo indica, sem cura. Ao se abater um animal, abate-se, na verdade, a condição humana. ( celiamusilli@terra.com.br  página 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 2 de agosto de 2015).  
  

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