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domingo, 28 de junho de 2015

TUBULÃO DO TEMPO




   Fui visitar Assis, ali no sul de São Paulo, onde morei menino, e na padaria um sujeito de chinelos fica me olhando, aí se chega:
   -  O senhor já morou aqui?
   - Quando menino.
   - Será então o primo do Sérgio?
   - Eu mesmo, falo; ele será então...
   - o vizinho da frente, lembra? Do quintal com o pé de jambo?
   - Trocamos abraço de reencontro depois de sessenta anos, eu tinha entre oito e nove quando morei um ano lá. Ele então pergunta se lembro do dia em que entramos no tubulão. Claro. Era no Buracão, um vasto território devastado pela erosão, onde a gente ia guerrear de estilingue e cavar cavernas. O tubulão de esgoto, que vinha das ruas em redor, despejava ali num riachinho,  e um dia entramos tubulão adentro, coração aos pulos.
  Porque o tubulão escurecia depois de algumas dezenas de metros. Eu ia á frente com um archote, feito de pau de vassoura com estopa encharcada de cera e álcool, amarrada com arames. Atrás de mim ia meia dúzia de moleques, Sérgio por último com outro archote, a forma perfeita de consumir oxigênio, mas moleque não pensa, moleque arrisca, ousa, atreve. Íamos entrar no tubulão para sair heróis.
   Mas, adiante, o tubulão ramificou em três tubos onde já não dava para ir em pé. Fomos agachados, um filete fétido passando abaixo de nossos peitos. Meu archote clareou adiante uma caixa de concreto, onde decerto haveria nova ramificação. Mas, quando enfiei ali o archote e metade do corpo, o que vi foram dezenas, centenas de baratas fervilhando pelas paredes, assanhadas pelo fogo.
   Gritei, recuando a chutar o guri de trás , e eles, sem saber o que eu tinha visto para me apavorar assim, também foram saindo a se arrastar, ralando joelhos e cotovelos na aspereza daquele túnel de horror. Lá fora, todos pálidos e sem fôlego, perguntaram o que eu tinha visto afinal. Baratas, falei, então me estapearam e chutaram. Eu tinha fugido de umas baratas? Eram quinhentas baratas, gritei. Eles sorriram sarcásticos: eu tinha contado?     

   Agora, o sujeito na padaria me diz que era o primeiro atrás de mim, nunca esqueceu os chutes que lhe dei no tubulão.
    E, aqui entre nós... ele pisca maroto...Quantas baratas eram? Duas,  três?
   - Eram quinhentas baratas – grito e o pessoal da padaria olha assustado, digo que não se assustem:
   - É um reencontro de quem entrou no tubulão. Ele me olha com orgulho e abraça novamente, e ficamos assim um bom tempo, apesar das baratas, ou por causa das baratas, danem-se as baratas, nós somos heróis da turminha que entrou no tubulão. ( Texto escrito por DOMINGOS PELLEGRINI, página 21, espaço
 DOMINGOS PELLEGRINI, d.pellegrini@sercomtel.com.br 
publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo, 28 de junho de 2015).

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