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segunda-feira, 15 de junho de 2015

JANJÃO

                                     


   Estou comendo em um restaurante, ele surge pedindo desculpas, não quer atrapalhar meu almoço, só perguntar se lembro dele.
   - Claro, você é o Janjão!
   Ele sorri feliz, levanto para o abraço.
   - Quanto tempo – ele diz com olhos úmidos .
   - Meio século .
   Diz que lê minhas crônicas, e que sempre lembra do dia em que, no colégio, inventaram de premiar quem tivesse mais irmãos.
   - Um rapaz tinha quinze irmãos, uma mocinha tinha catorze, e ele ia ser o premiado, mas você falou não, dêem para ela, que ela precisa mais.
   Bem, me lembro tanto disso quanto de minhas fraldas. Quem teria inventado o tal prêmio? A direção do colégio, algum professor, um grupo de alunos? Me contento com o contentamento de Janjão, a novamente me abraçar, repetindo que não queria atrapalhar meu almoço
   - Janjão, almoçar eu almoço todo dia. Mas não é todo dia que revejo um colega depois de meio século.
   Rimos, e sabemos que ficará por isso. Ele talvez até dê um cartão, dizendo aparece para um café, mas não, ele se vai com a elegância de sempre, o Janjão era elegante – nos gestos, nas atitudes – desde o tempo do colégio, tão distante e tão vivido.
   A molecada descia as escadarias correndo, num atropelo que fazia as meninas irem para as beiradas, colando-se nas paredes e praguejando.
   Os buços iam virando cinzentas taturanas acima dos lábios, até que um dia sumiam, e a gente sabia que mais um começava a fazer a barba.
   O recreio era parra os moleques uma correria, para os rapazes um torneio de olhares, os flertes começando namoros.
   E coragem para chegar na menina e dizer oi? O coração pulava tanto que eu ia ver  no espelho do sanitário se a camisa não estava palpitando.
   Moleques voltando para as salas com os cabelos escorridos de suor, Meninas trocando segredinhos aos cochichos e rindo às gargalhadas.
   Moleque passando com ruído de vidro, as bolinhas de gude se batendo nos bolsos.
   A professora fazendo a chamada, nome por nome , até o Yoshi,  a responder tão baixinho que, todo dia, a gente repetia em coro: -  o Yoshi tá ali! – e ele  sorria.
   Naquele tempo s gente tinha inventado pau de selfie, um espelhinho grudado na ponta duma varetinha de guarda-chuva, para esticar até o piso e ver a calcinha da professora  quando ela parava ao lado da próxima carteira.
   Na saída, o rei do Quebra-Queixo estava lá na calçada, com seu tabuleiro na traseira da bicicleta e a espátula para tirar as porções e colocar no pedaço de papel, que a gente lambia depois de comer o doce.
   Um dia, comi sete espetinhos no Bar da Dona Rosa, o Sérgio Campanelli ficou sabendo, no dia seguinte foi lá e comeu oito.
   A gente era risivelmente incrível,  tenho de parar por aqui porque não consigo escrever com cisco nos olhos. O cisco da saudade, do espanto (meio século) e da ternura, essa embalagem das boas lembranças. Obrigado, Janjão!  ( Texto de DOMINGOS PELLEGRINI, escritor, página 21, espaço DOMINGOS
 PELLEGRINI  d.pellegrini@sercomtel.com.br publicação do JORNAL DE LONDRINA, domingo, 14 de junho de 2015). 

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