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quarta-feira, 15 de abril de 2015

A “CRACOHEROINOLÂNDIA” E A HORDA CARCOMIDA



   No início do ano de 2012, em São Paulo, foi deflagrada uma campanha que ficou conhecida por “operação sufoco” que consistiu numa abordagem repressiva executada pela Polícia Militar, visando acabar com a concentração de viciados no espaço cunhado de “cracolândia”, uma alusão ao elevado índice de consumo e tráfico de crack. A estratégia era, segundo os coordenadores, provocar “dor e sofrimento”. Isso mesmo, dor e sofrimento, para assim forçar os dependentes a procurar ajuda.
   Estranho entendimento! Como se os viciados estivessem ali por diversão, para participar dum festim onde se serve veneno aos convivas; como se já não sofressem o suficiente de todas as dores possíveis. Será que desconheciam – o que é improvável – a verdade de que um dependente sabe que perdeu para a droga, que está morrendo e anseia deixá-la, porém não consegue? Que é exatamente por isso que o termo técnico aplicado é “dependência”, doença caracterizada pela perda gradativa do controle volitivo de usar ou deixar de usar a droga, ou seja, a compulsão?
   Para aqueles homens e mulheres – além de adolescentes e crianças – tentar parar de fumar a pedra é como tentar parar de respirar, nesse caso, um ar repleto de intoxicantes. Fumam para fugir da falta que provoca  sofrimento intenso, porém, no rebote, outras faltas assomam: falta de ser, de pertencer, falta de esperança, atenção, enfim, da possibilidade de fugir para onde não haja falta de nada. Na busca desesperada para suprir  o vazio causado pela falta da droga, só a droga pode ser eficiente. Queimam um pedra após outra na ânsia de concretude da existência , porém só concretizam o fracasso da independência, Não há perspectiva de retorno volitivo, nem mesmo sob a força da bala de borracha, do gás lacrimogênio ou da Internação compulsória
   Em 2014, as autoridades voltaram a agir, empregando abordagens mais humanizadas , que além de encaminhamento para clínicas de tratamento, oferecem uma remuneração diária e acolhimento em hotéis da região para que os que preferirem trabalhar como varredores de rua. Estaria ótimo se alguns dos  novos trabalhadores, uma minoria, mas que faz a diferença, agora sob os auspícios da administração pública, use dessa credibilidade para facilitar o trânsito do tráfico na região. Para piorar, traficantes do além-mar introduziram uma nova prática que e a adição da heroína ao crack. Droga de altíssimo poder  viciante, derivada do ópio, a heroína tem ação narcoléptica, ou seja, induz relaxamento e sono e chegou a cracolândia  numa versão barata, certamente com aditivos que aumentam o volume e potencializam os efeitos. Sua função é amenizar o super estímulo provocado pela pedra  para que assim o usuário consuma mais e por mais tempo, garantindo lucro crescente. Essa prática, porém, pode resultar em  acidentes fatais, pois as ações antagônicas da substância provocam um colapso na liberação de neurotransmissores no cérebro, provocando crises de abstinêciias avassaladoras, surtos psicóticos e pode causar a morte por parada respiratória ou cardíaca.
   A presença da polícia não inibe a presença de traficantes que instalaram uma verdadeira feira livre na favelinha da cracolândia. Enquanto o poder público se debate para encontrar recursos técnicos  para o enfrentamento da situação, a horda carcomida vagueia pelas ruas do novo espaço, que doracvante pode ser chamado de “cracoheroinolânida” – uma ilha de “dor e sofrimento” no coração da grande Sampa.
   E uma triste realidade e serve de alerta aos nossos gestores  públicos, às autoridades e à população em geral, para que cuidemos bem da nossa gente e da nossa cidade antes que iniciemos uma caminhada no mesmo rumo. ( Texto escrito por JAIR QUEIROZ, psicólogo e especialista  em segurança pública, extraído do ESPAÇO ABERTO, página 2, publicação do jrnal FOLHA DE LONDRINA, terça-feira, 14 de abril de 2015).

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