Páginas

domingo, 8 de fevereiro de 2015

REPÚBLICA DO BARULHO


     Vivemos o auge da República do Barulho que criamos ou suportamos. Um momento de silêncio é mais raro que achar nota de 100.
     Temos cachorros presos em quintais pequenos e até amarrados, e por isso eles latem demais.
     Temos alarme que disparam até no meio da madrugada, aí você se pergunta  porque não nasci  minhoca.
     Em rodoviárias e aeroportos, o som é tão alto quanto ranheta.
     Em bufês de casamentos e festas, botam Tum-tum enquanto as pessoas comem, então para conversar é preciso falar alto, e, com todos falando alto, cada um precisa falar ainda mais alto, o ambiente visivelmente bonito torna-se sonoramente mais barulhento que um mercado de trocas ou uma indústria de molas.
     No centro, as lojas botam caixas de som nas calçadas, com locução de propaganda boca-cheia ou músicas sempre estupidamente irritantes ou irritantemente estúpidas.
     Nos bairros, passam carros de som de tremer vidraça, esses símbolos da impunidade e do desgoverno.
     (Será que melhoraria se eu devolvesse com Beethoven seu Tum-tum? Mas não acredito em justiça pelas próprias mãos...)
     Entretanto  som, ah, relaxe, vá ao shopping. Aquele templo de lazer e comércio, com ar condicionado, segurança, conforto e...barulheira!  Uma cocofonia onipresente, misturando a converseira e os mil barulhinhos, barulheiros e barulhons num amplo e alto ambiente fechado sem qualquer engenharia acústica. Custaria pouco  e ficaria tão melhor, a gente poderia conversar sem falar alto ou gritar.
     Então refugie-se no cinema. O som te pega pelo colarinho e sussurra  no ouvido: TÁ OUVINDO? E tome senssuround grave de tremer a parede e agudo de apunhalar o  tímpano.
     Ah, o Som. Parece Deus, está em todo lugar.
     O olhar pode escolher, desviar, fechar os olhos, mas o ouvido não, ouve tudo que soa, queira ou não queira.
     E eu quero ouvir é minha mulher ressonando a meu lado na cama. Os passarinhos ao alvorecer. O surronco da geladeira, mistura de ronco e sussurro, a dizer tudo bem, vá dormir que amanhã estarei aqui sempre cuidando da tua comida.
     Amigo conta que quase enlouqueceu na UTI, enquanto esperava alta, ouvindo todos aqueles barulhinhos naquele quase silêncio de morte.
     É só no quase silêncio que a gente ouve realmente.
     Tardinha, sento no terraço, com o companheiro Vinho e seu amigo Queijo, e escuto a Sinfonia do Poente, Cachorros latindo. Mães chamando filhos. Motor passando. Passarinho, Sapo, Grilo. Cochilo enrolado nesse tecido sonoro.
     Até que passa um carro de som.
     Chega! – decreto, enfiando tampões nos ouvidos e me exilo da República do Barulho.
     O último som que ouço é um bem-te-vi dizendo que volte aqui! Tiro os tampões, é, melhor ouvir que ensurdecer.  ( Texto do escritor DOMINGOS PELLEGRINI, d,Pellegrini@sercomtel.com.br, pág. 21, Cultura | Geral  publicação  do NORNAL DE LONDRINA, domingo, 8 de fevereiro de 2015).

Nenhum comentário:

Postar um comentário