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domingo, 21 de dezembro de 2014

DEZEMBRO FOI ALÉM DO IDEOGRAMA


     Não gosto muito do fim do ano. Parece um trem parado na última estação, um avião que não se sabe para onde decola. Vem uma melancolia, um balanço de perdas e ganhos, uma esperança teimosa  de que  no próximo ano as frustrações se dissolvam nas realizações adiadas.
     Na verdade, o tempo segue a rota circular, não há chegada nem partida, começo ou fim . É apenas a impressão criada pelo calendário , doze meses, doze signos do zodíaco que me fazem perceber que, afinal, o ano mesmo começa em fevereiro, sem data fixa, como no calendário chinês que leva em conta o sol e a lua, num ciclo lunisolar, palavra feia como minha/nossa falta de esperança na antevisão dos  recomeços, na ante sala dos ciclos.
     O ano novo chinês é marcado pela noite em que a lua nova  acontece na data mais próxima do décimo quinto grau do Aquário. Difícil pensar em chinês. Talvez por isso tenham inventado os  ideogramas, que põem o  tempo e os ciclos em grafismos que fazem meu olhar se perder numa paisagem de idéias.  Eles dizem lua, e a lua se materializa. Montanha,  e a montanha se ergue.Sem grandes descrições, apenas com dois ou três traços. Penso na beleza de conter o mar em duas pinceladas, num carimbo de nanquim de dois centímetros. Nunca o mar encolheu tanto nem foi tão grande quanto no China.
     A poesia do oriente se planta e se colhe em traços. Não é preciso reunir tantas palavras como faço para descrever o que significa o fim do ano. Essa melancolia que existe  mas é difícil de explicar. Seria melhor representar sem escrever muito? Usar as sínteses tão profundas quanto as crônicas e os contos  prolongados?  A  natureza nos ensino exatamente isso ao inventar a lágrima. Ideograma/lágrima= tristeza profunda, Com variações para alegria desvairada.
     Mas vivo do outro lado do mundo, leio Clarice e reflito sobre a tristeza de dezembro. Em Clarice, isso se materializa num aconteciment5o intrigante: Nasceu em 10 de dezembro, morreu em 9 de dezembro de 1957, na véspera de completar 57 anos. Tenho para mim que morreu de tristeza a Clarice, mas antes deixou no mundo uma celebração em palavras. Cada um se expressa conforme seu hemisfério. Este é o maior inventário que se pode ter na vida. Inventário de  invenção, percebam. Não aquele dos contabilistas. Porque somos escritores, não advogados. Em dezembro perfilamos palav rãs, não contamos dinheiro, o que torna vida mais delicada.
     Termino com o ideograma / riso= alegria de viver. E se foi mais um dezembro.  ( Texto escrito por CÉLIA MUSILLI,     céliamusilli@terra.com.br  WWW.sensivelldesafio.zip.net  , Folha 2, pag 4, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, domingo, 21 de dezembro de 2014).       


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