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terça-feira, 23 de outubro de 2018

SABÃO DE PEDRA


   Antigamente não existia detergente. Era sabão de pedra num canto da pia da cozinha ou numa pequena vasilha. Sabão feito com o que restava em dia de matar porco. No sítio se aproveita de tudo. Não é como na cidade que o que não tem uso vai para o lixão ou o aterro sanitário. No campo tudo se transforma. Hoje, compra-se sabão feito por indústrias. Antes era tudo feito no sítio com soda cáustica – produto perigoso - e cinza. Também, o sabão de soda deixava as roupas branquinhas. Depois ficavam quarando no varal. Em tempo de seca ficava-se de olho nos dias de vento pra poeira da terra não sujar a roupa. O problema era em dias de ventania do verão, com longas estiagens, senão tinha que lavar tudo de novo.
   O sabão de pedra também era usado com um pouco de areia para “arear” as panelas. Ficava tudo brilhando. Era costume no sítio fazer esse tipo de limpeza aos sábados. Vinham as visitas e o cuidado com as coisas da cozinha causava muito boa impressão. Motivo de orgulho de uma casa bem arrumadinha. Os panos de pratos todos alvos que dava gosto de ver. Lembro do asseio das mesas quando ia visitar parentes no sítio. Uma brancura e limpeza que me lembrava toalhas de altar da igreja. 
   Havia uma expressão que se usava antigamente que era “aderriçá” café. Quando o banho demorava muito lá em casa, meu pai falava pra gente: “Não aderriçô café pra demora tanto”! Derriçar café no sítio é uma colheita que é feita com a retirada dos frutos da árvore deixando-os cair diretamente no chão. Mexer com a colheita de café sempre foi um trabalho árduo e a poeira impregnava na pele e na roupa. Dava um trabalhão tomar banho depois desse tipo de serviço. 
   A história do sabão é antiga, pois já era conhecida seiscentos anos antes de Cristo e lá pelo ano 600 depois da era cristã os árabes inventaram o processo de saponificação a partir da fervura da soda cáustica, gordura animal e óleo s naturais no caso dos sabonetes.    O sabão na pia tornou-se um costume por muito tempo. Depois, muita gente, por causa das propagandas na televisão, acabou aderindo ao novo costume urbano de usar o detergente. Se você não tivesse detergente parecia uma pessoa ultrapassada como hoje quem não tem um Face ou WhatsApp. Isso foi no tempo das calças boca de sino e, quando se andava de fusca no sítio com aquela capa de chenile amarela nos bancos do carro e calça”UStop” era chique. Década de 1970. 
   O sabão de pedras é um divisor de águas. Depois que foi saindo da pia da cozinha a vida do ser humano moderno deixou muitas coisas para trás, o pinguim da geladeira, as réstias de alho, a cristaleira com os copos presente de casamento, os retratos ovais com as fotos coloridas dos avós para as novas gerações lembrarem, sumiram aos poucos. 
   Sabe-se lá o que mais vai desaparecer daqui pra frente nestes tempos em que não se sabe mais o que tirar de cima da pia da cozinha, este pequeno espaço onde a humanidade fez sua frágil civilização. (FONTE: Crônica escrita por DAILTON MARTINS, leitor da FOLHA, página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 20 e 21 de outubro de 2018, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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