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terça-feira, 1 de agosto de 2017

DIRETO NA FONTE

"A ideia é que a pessoa possa degustar tanto o local quanto o livro e que se sinta à vontade aqui", diz Pedro Costa, do Nosso Sebo

    Livrarias e sebos londrinenses abrem seus espaços para os grupos de leitura, palestras e eventos culturais
   A leitura costuma ser solitária e silenciosa, realizada em um cantinho aconchegante de nosso lar. Entretanto, algumas vezes, a experiência com a obra literária é tão forte que precisa ser comentada com outras pessoas. É a partir dessa vontade que surgem os grupos de leitura e debates. O interessante é notar que, atualmente, essa prática tem encontrado espaço justamente na origem do encontro entre livro e leitor os sebos e livrarias. E não somente os clubes estão por lá. A tendência da transformação do espaço comercial pelo espaço cultural pelo chamado “mercado do conhecimento” é tão forte, que tem se aberto também para a realização de palestras, minicursos e toda a sorte de eventos culturais. 
   É o caso do Nosso Sebo, um casarão amplo, repleto de livros e revistas de diferentes épocas e gêneros, que conta também com um quintal onde são realizados desde saraus até cafés literários. O local tem uma programação mensal, com alguns eventos fixos, como o “Café no Sebo” – que acontece semanalmente, todos os sábados, das 8h30 ao meio-dia – e outros esporádicos, como um encontro gastronômico realizado no local no último mês. Pedro Damião Costa, proprietário do estabelecimento, conta que a oportunidade de realizar esse tipo de trabalho surgiu juntamente com a mudança de endereço, há cerca de oito meses. O sebo anteriormente era localizado na Saul Elkind, em uma loja comercial padrão. 
   “A gente queria um sebo com um espaço que oferecesse além da compra ou troca de livros, um espaço para a pessoa ler por ali mesmo, conviver e relaxar. O casarão casou exatamente com essa nossa ideia”, diz Costa. 
   Ele relembra que, durante todo o tempo em que esteve no antigo endereço, o desejo já se manifestava, mas a conscientização só foi possível pelo fato de encontrar um lugar tão espaçoso e verde, mesmo localizado na região central da cidade. 
   “A gente fala que esse espaço veio pra gente de brinde. Então porque fazer um sebo tradicional se a gente tem condições aqui de fazer algo diferente? A ideia é que a pessoa possa degustar tanto o local quanto o livro e que se sinta à vontade aqui.”
Maria Tereza e Gregório Devides, da Paperi, organizam oficinas e exposições no local: "Livro é vivência!
   Esse desejo de fazer diferente é o que motivou o casal Maria Tereza e Gregório Devides. Ela, professora de Arquitetura da UEL, e ele, profissional da área da Biomedicina, sempre foram amantes da literatura e das artes e resolveram deixar transparecer isso em seu comércio. A Livraria e Papelaria Paperí recebe mensalmente reuniões do Clube Filatélico de Londrina, oficina de bullet jornal, palestras e minicursos. “Normalmente a gente tenta lincar o tema dos cursos/palestras, com algum produto que a gente tem aqui, como a oficina de bullet jornal, por exemplo. Esse é um curso que a gente sempre cita, porque surgiu de uma maneira muito legal. A moça que dá aulas era uma cliente nossa, comentou que sabia fazer e aceitou o nosso convite de fazer a oficina. Hoje ela está com a gente mensalmente, ensinando”, contam.
   Localizada, em seu princípio, no Mercadão da Prochet, a loja foi aos poucos tomando forma de espaço cultural. O casal diz que a ideia surgiu da necessidade de mostrar para as pessoas que o livro vai além de um amontoado de papel. “Livro é vivência”, dizem. E é justamente nessa vivência que eles pretendem deixar uma marca nos clientes e, porque não, na sociedade ao redor. “Existe uma vontade nas pessoas de mostrar seu trabalho, o que sabem fazer. E isso vai tomando corpo no dia a dia mesmo, aos pouquinhos. Nós queremos saber o que nosso cliente pensa, quem ele é, qual vai ser o rastro deixado pelos nossos produtos nessas pessoas.”
   E isso também é percebido pelos clientes, que cada vez mais procuram o lugar para participar das experiências ofertadas por eles. O chamado “boca a boca” fez com que fossem criadas mais turmas em uma das oficinas realizadas na papelaria. “As pessoas que entram aqui percebem que a gente se importa, conseguem sentir diferença nessa energia. A gente descobriu que não vende mais produto por fazer isso, mas é uma coisa mais profunda, de relacionamento com o cliente a longo prazo”, confidencia Gregório. 
   A contrapartida, dizem eles, é estarem sempre cercados de pessoas bacanas, com espírito alegre e interessadas por cultura. Importante ressaltar que todos esses projetos são oferecidos gratuitamente, com a inscrição sendo “paga” com a doação apenas de um quilo de alimento ou produto de higiene. 
   Além do amplo trabalho cultural, o casal conta que a iniciativa traz também um resultado social: com os alimentos e produtos de higiene arrecadados, é possível ajudar famílias e instituições da cidade. “A relação cliente/empresa muda e muito, quando todos se sentem parte desta corrente de solidariedade. E isso, pra nós, é o mais importante. 

   DIVIDINDO IMPRESSÕES

   O caminho percorrido pelas livrarias e sebos, em busca da transformação de seus espaços, é mesmo uma via de mão dupla. Grupos de leitura, que não tinha espaço adequado para se reunir, surgem aos montes, encontrando amparo desses locais. ´´E o caso do grupo Leia Mulheres, que se reúne mensalmente na Livraria da Vila, no Aurora Shopping. Ele é parte de uma ideia mundial, criada em 2014 pela escritora Joana Walsh, que propôs o projeto ≠readwomen2014 (≠leiamulheres2014).
Em 2015 a ideia chegou ao Brasil por meio da consultora de marketing e apaixonada por literatura Juliana Gomes. Ela convidou as amiga Juliana Leuenroth e Michele Henrique para transformar a ideia de Joanna Walsh em algo presencial, um grupo de leitura. O projeto deu super certo e hoje acontece em diversas cidades espalhadas pelo Brasil. “A ideia, basicamente, é incentivar as pessoas a lerem mais trabalhos de escritoras. Porque o mercado editorial ainda é muito restrito e as mulheres não possuem tanta visibilidade”, conta Vizette Priscila Seidel, mediadora do grupo em Londrina.
   Formada em Letras, com mestrado em Literatura, ela trabalha como professora de Francês e de Português. Morava em Barretos, interior de São Paulo até 2016 e foi lá que ficou sabendo da existência do Leia Mulheres. Quando se mudou para Londrina – levando em conta o tamanho da cidade – pensou haver um por aqui, mas não encontrou. A solução foi correr atrás do trio original para trazer a ideia para cá e se tornar mediadora de um grupo. Desde 2016, acontece sem erro, todo mês. 
   Além de fornecer o espaço, ela conta que a parceria com a livraria se estende a descontos em livros indicados pelo grupo. “É benéfico para eles também. Esse tipo de evento cultural enriquece muito o ambiente. Se, por exemplo, uma pessoa vai na livraria por uma palestra, acaba vendo um livro e, se interessando por literatura e comprando lá”, conta. 
   De toda essa parceria, Seidel identifica que o maior ganho é, para a cultura em si. Ela nota que há pessoas que, ao visitar o grupo, acabam se identificando com os assuntos abordados nos livros e, no fim, se interessam pela literatura,
   “Muita gente diz que leitura é solitária. Mas, quando você faz parte de um grupo como o nosso, isso não é real. Você termina de ler e fica ansioso, esperando o dia do encontro para dividir suas impressões com o resto da galera. É uma forma de se reconhecer. De enxergar o próprio papel na sociedade, finaliza. (D.S.) (FONTE: DANIEL SOUZA – Especial para a Folha 2, página 4, caderno FOLHA 2, 29 e 30 de julho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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