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domingo, 18 de junho de 2017

UMA GATA NA MUDANÇA


   Se encontrarem uma gatinha de olho amarelo que usa escadas de armar como mirante, saibam que é minha



   Na última quarta-feira, Tatoo me fez reviver histórias sem script ao desaparecer do apartamento no sexto andar. Ao chegar do trabalho não a vi perambulando pela sala, atrás dos meus sapatos, miando para chamar a atenção. Por causa do frio, pensei que estivesse dormindo num armário, até que desci para lanchar com meu filho e Seu Augusto, nosso porteiro camarada, perguntou: 
   - Você tem um “gato” rajado?
   Disse que sim.
   - “Ele” tem olho amarelo?
   Com essa pergunta já percebi que o “gato” em questão era a Tatoo, de olho dourado como um raio de sol e pelos de três cores onde se misturam o preto, o bege e o branco em listas inusitadas. 
   Então ele me contou que a gata havia descido para o quarto andar pelas escadas e entrado no sofá de uma família que estava se mudando. Oculta no recheio do estofado, desembarcou na portaria onde ninguém tinha explicação para aquela gata no meio da mudança. 
   Seu Ângelo a prendeu enquanto procurava o dono, de modo que outros vizinhos ficaram sabendo do caso. Até que também cheguei e pude compreender o périplo da bichana. 
   “Ela estava no apartamento do meu pai e entrou no sofá – disse uma vizinha – mas só a vimos quando chegou aqui embaixo”. Outra,  com um bebê no colo, testemunhava: “Miou bastante nas escadas, depois sumiu.”
   Enquanto meu filho identificava a fujona num salinha próxima à portaria – que bem poderia ser uma delegacia de polícia – percebi que a gata tinha virado notícia naquele dia frio em que sua aventura serviu para esquentar as conversas no condomínio. 
   Alguns já conhecem a bichana. É do tipo de sobe nos móveis e, como um suricato apoiado nas patas traseiras, espiona a vizinha do apartamento em frente enquanto ela passa o café. Já cheguei a pedir desculpas pela indiscrição de uma gata que não tem o menor pudor de acompanhar o que se passa na vizinhança como se fosse a extensão de sua própria casa. Até por isso, em cômodos sem cortinas, ela observa quem cozinha ou passa roupas com a curiosidade própria da espécie. Meu filho tem uma explicação para tanta vivacidade, acredita que animais reclusos desenvolve uma inteligência que os faz investigar minuciosamente tudo que se passa ao redor. 
   Tatoo já ganhou uma escada que lhe serve de mirante, um desses modelos simples que a gente usa para pegar roupas no armário serve de apoio para que veja os passarinhos no Bosque ou acompanhe a trajetória de insetos que passam pelo sexto andar. Com os vidros fechados, já que algumas janelas não têm telas, ela observa a vida com a curiosidade de um cientista que busca novas informações em seu pequeno mundo.
   Através da janela vê a lua e a chuva, toma sol e me acorda todas as manhãs, como um despertador biológico, puxando meus cabelos quando o dia começa a clarear. Gosta de companhias acordadas, para meu desespero nos feriados quando poderia dormir um pouco mais, o que não consigo por ter uma gata madrugadora. 
   Como deu de explorar outros andares, só espero que não pegue mais caronas em mudanças. A última coisa que desejo é que minha gata, longe da guarda angelical de Seu Ângelo, passe despercebida pela portaria, rumando para um local ignorado. 
   Em todo caso, se encontrarem por aí uma gatinha de listas exóticas, de olho amarelo e que sabe usar escadas de armar como um mirante, saibam que é minha e, por favor, a devolvam no edifício bem em frente ao Bosque. Só não estranhe se ela usar também o GPS para indicar onde mora. (FONTE: Crônica de CÉLIA MUSILLI, celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, página 2,  coluna CÉLIA MUSILLI, 17 e 18 de junho de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA)
   

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