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quarta-feira, 3 de maio de 2017

O MAL DA AUSÊNCIA


   Está todo mundo chocado com o tal do desafio da baleia azul que está rondando os jovens através da internet. Nesse desafio, os jovens são instigados a completar determinadas “tarefas” para prosseguir para a próxima etapa. Quem completa todos os desafios ganha “sucesso” e o “respeito” dos colegas. O problema, contudo, é que os desafios são autodestrutivos e vão, à medida que se passa de fase, tornando-se mais perigosos até chegar o desafio final que é o suicídio. Como um jogo desses pode fazer tanto sucesso e constituir uma ameaça que está dando o que falar?
   Diga-se de passagem, que desafios assim não são novidades. Isso existe há séculos. A roleta russa, por exemplo, sempre foi um jogo perigoso que ceifou a vida de muita gente. Até mesmo antes de existir armas de fogo existiam jogos com espadas e facas que atentavam contra a vida e o bem- estar. Portanto, esses jogos não são novos, apenas mudam de forma e, com a facilidade da internet, propaga-se com muito mais rapidez. O que assusta, porém, é o aumento do número de jovens que estão se engajando nesses tipos de desafios. 
   Muitos perguntam-se por que jovens que têm condições de vida boas, com bom nível socioeconômico e acesso a cultura arriscam suas vidas em uma atitude autodestrutiva. O erro é olhar apenas as condições externas das vidas desses jovens. Por fora, parece que têm tudo e nada falta, mas uma espiadela por dentro mostra um cenário diferente. A perspectiva com que olhamos o problema pode mudar completamente todo o sentido dele. E eles estão com falta de algo muito importante.
   O que falta de fato na vida desses jovens são relacionamentos humanos de qualidade. Existe uma família, pessoas que moram juntas e é assim na maioria das casas, porém faltam elementos que unam essas pessoas. Relacionamento de qualidade é raro. Enquanto isso não for visto e transformado existirão cada vez mais desafios malucos. 
   Muita gente culpa os pais trabalharem tanto, que a família acabou e que até o feminismo que põe as mulheres no mercado de trabalho está destruindo valores. Bobagem! Não vamos voltar atrás no tempo e ficar saudosos de coisas que também não funcionavam muito bem. A questão não é os pais trabalharem e nem muita coisa na estrutura da família estar mudando atualmente, mas a qualidade do relacionamento entre as pessoas. Não se trata e nunca se tratou de quantidade de tempo e de manter tradição conservadora, mas na qualidade nas formas de se lidar um com o outro. 
   O problema é a ausência de contato. Só nos tornamos humanos quanto nos relacionamos com os outros. Não nos tornamos humanos sozinhos. Aprendemos a nos comunicar quanto há gente que se comunica conosco. Sem contato humano nos tornamos vulneráveis. Se não nos tornarmos humanos, teremos um corpo, sensações, mas não saberemos como preservar esse corpo, não teremos construído uma identidade e ficaremos como bobos, pois não teremos consciência de nós mesmos. 
   Quando há relacionamento de qualidade aprendemos a nos preservar e a entender que temos uma responsabilidade por nós mesmos e, por isso, não aceitaremos qualquer convite. Na ausência de relações que nos ajudam a criar identidade, só sobra mesmo a busca por sensações, mesmo que estas nos coloquem em perigo. Apenas combater esses desafios não adiantará. É preciso um passo além e mais profundo. Sem repensar como nos relacionamos conosco e com os outros, sem desenvolver consciência, ficará aberto o ambiente para que loucuras desse tipo surjam. Que tal o desafio de nos tornarmos humanos melhores? Esse desafio vale a pena. (SYLVIO DO AMARAL SCHREINER, psicoterapeuta em Londrina. 
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 , página 2, coluna ESPAÇO ABERTO, quarta-feira, 3 de maio de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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