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sábado, 18 de março de 2017

TRABALHO DE PRESO ESBARRA EM CRISE E MEDO

O ex-detento Carlos Alexandre Soares, 32, que fez oficinas de trabalho na prisão e há seis anos tem carteira assinada


   Só 1 em 10 detentos faz capacitação nas cadeias e 20% trabalham; programas para egressos encolhem em SP e MG 

   Plano da gestão Temer depois de massacres em penitenciárias em 2017 prevê cursos, mas com abrangência tímida 

   A trajetória de Carlos Alexandre Soares, 32, segue um script padrão de jovens que caem no crime no Brasil: cometeu dois homicídios, na Grande Belo Horizonte, foi preso e condenado em 2004. 
   O desfecho, porém, é raro. Em vez de reincidir, como fazem mais de metade dos que deixam as prisões no país, voltou a estudar e hoje é segurança de shopping. “Estou livre faz sete anos. E faz seis anos que tenho carteira assinada.” 
   Além da religião, que lhe foi apresentada na cela, ele atribui a guinada às oficinas de trabalho que fez na prisão. 
   Para tornar menos raros casos como esse, um das propostas do Plano Nacional de segurança Pública do governo Temer – lançado sobre a pressão da crise prisional, com mais de 130 detentos mortos no começo de janeiro – é preparar os presos para o mercado de trabalho. 
   Além da abrangência tímida, porém, ela esbarra em questões como infraestrutura, de experiência profissional de detentos, preconceito, medo de empresários diante da reincidência criminal ee até na crise econômica. 
   O Ministério do Trabalho propôs oferta inicial de cursos como jardinagem e padaria a 15 mil presos, embora essa população supere 620 mil. 
   Hoje em dia, pouco mais de 10% fazem algum curso de capacitação profissional. Há também 20% que realizam algum trabalho dentro da prisão, como limpeza e costura. 
   Os que trabalham ou fazem curso de formação são minoria – não por recusa dos presos, mas por falta de opções do poder público. O detento que trabalha reduz um dia da pena a cada três trabalhadas.
   O desafio do egresso ao disputar trabalho com pessoas qualificadas e sem antecedentes criminais se agrava no atual cenário de desemprego. 
   A maior população prisional está em São Paulo, com 220 mil pessoas. O Estado insere egressos no trabalho por meio do programa Pró-egresso, que tem um impacto baixo mas encolheu ainda mais após a recessão. 
   O número de inscritos caiu de 307 em 2014 para 205 em 2016, segundo Ana Cáceres, supervisora do projeto. 
   Um decreto do Estado recomenda que empresas vencedoras de licitação de obras e serviços ofereçam vagas de trabalho aos egressos. 
   “Nem todas as empresas cumprem. Algumas alegam falta de conhecimento ou falta de serviço”, diz Cáceres.
   A contratação também encolheu no segundo Estado de maior população prisional, Minas Gerais, que mantém mais de 60 mil presos, conforme dados do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), atualizado em 2014. Andreza Gomes, subscretária da Secretaria de Segurança Pública de Minas, reconhece que as parcerias com empresas para contratar egressos caiu nos últimos anos, mas não detalha os dados. 
   Falta de documentos e experiência é outra barreira, segundo Maria Barreto, coordenadora do Depen. “Quando uma pessoa que ficou quase dez anos presa vai fazer uma entrevista de emprego formal, ela precisa explicar por que ficou parada tanto tempo.”
Muitos vão para a informalidade, atuando como carregadores de caminhões, ajudantes de pedreiro ou ambulantes, com faz Renato P., 27.
Há oito meses na rua Santa Ifigênia, no centro de SP, ele trabalha como “puxador”, atraindo clientes na calçada e levando às lojas em troca de comissão. P. se candidatou a uma vaga formal, mas desistiu quando pediram para ver seus antecedentes criminais. (LEIA MAIS nas páginas B3 e B4. ( JOANA CUNHA – DE SÃO PAULO, caderno cotidiano, sábado, 18 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO.

   

 

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