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sexta-feira, 24 de março de 2017

INTERNET DEPENDE DE CONTEÚDO DE BOA QUALIDADE

ENTREVISTA Richard Gingras, 65, que é vice-presidente de News do Google.
    EXECUTIVO DO GOOGLE DEFENDE COLABORAÇÃO COM GRUPOS JORNALÍSTICOS E DIZ QUE COMBATER NOTÍCIAS FALSAS É UM JOGO DE GATO E RATO
  
O Google está agindo em várias frentes contra as notícias falsas, da retirada dos produtores de “fake news” de sua plataforma publicitária à adoção de checagem. Quem conta é Richard Gingras, 65, vice-presidente de News da empresa de tecnologia. 
   É ele a referência do Google para jornalismo. Diz que há interesses em comum com as organizações jornalísticas, mais do que elas teriam com redes sociais como o Facebook. E defende projetos conjuntos – como o AMP, visando acelerar o acesso às páginas. 
   Gingras não aceita que o próprio Google seja, hoje, mídia. “Não somos o editor do mundo.” Ele veio a São Paulo para o Newsgeist, evento que o Google realiza até este domingo (12) para discutir o futuro da indústria jornalística.

   FolhaA associação de Mídia Jornalística do Reino Unido acaba de solicitar investigação do papel que Google e Facebook representam no fenômeno das notícias falas. Quais são os passos que vocês já tomaram, no Google, para cortar esses incentivos?
   Richard Gingras – Antes de mais nada, é claro que as notícias falsas são um problema. Não são um problema novo. É claro que existem pessoas se expressando na internet com fatos deturpados há muito tempo. É claro também que se tornou mais significativo no último ano devido as eleições. 
   No Google, o objetivo com o buscador, com qualquer dos nossos serviços , é apresentar a informação mais útil e de maior autoridade, seja qual for o assunto. Fazemos isso ao redor do mundo, bilhões de vezes por dia, com máquinas. Elas não são perfeitas, nunca serão. Não ficamos felizes, é óbvio, quando aparecem conteúdos que não são precisos. Procuramos enfrenta-las, com a sintonia dos algoritmos. É algo que sempre faremos, porque o ecossistema muda o tempo inteiro e sempre há atores procurando enganar os algoritmos. Sempre foi um jogo de gato e rato.

   Isso ocorre em todo o mundo?
   Sim. Nosso trabalho é apresentar o conteúdo mais útil e de maior autoridade e nem sempre conseguimos. Não somos o editor do mundo. O nosso papel não pode ser determinas e definir a verdade. Ninguém espera que façamos isso. Muitas vezes a liberdade de expressão inclui expressão que pode ser não confortável para nós. Ou seja, há muitas linhas cinzentas. Quando uma pessoa faz uma busca, não é nosso trabalho dizer no que ela deve acreditar. É nosso trabalho oferecer conteúdo de diversas perspectivas para coloca-la no caminho para uma melhor compreensão.

   Além do lado financeiro, como o Google e os veículos jornalísticos podem trabalhar em conjunto para minimizar o alcance das notícias falsas? 
   Vejo as notícias falsas como sintoma de um problema maior, de populações ao redor do mundo perdendo o sentido de conexão, perdendo a confiança em seus governos, em instituições como a imprensa. São desafios difíceis. É responsabilidade de todos nós, inclusive do Google, repensar como o jornalismo se apresenta, para recuperar o respeito e a credibilidade que merece. 
   Uma dessas formas é a checagem. Nós começamos no segundo semestre de 2016, antes da eleição dos EUA. Não é checagem feita pelo Google, mas por terceiros. Lançamos há pouco também aqui no Brasil, na Argentina e no México. Achamos que isso é muito importante, não só para notícias. Você pode fazer uma busca sobre saúde no Google e encontrar informação imprecisa. Por exemplo, muitas pessoas dizem por aí que as vacinas não são seguras. O que diz a ciência? Como podemos trazer informação que ajude as pessoas a chegar à conclusão correta. Na questão das notícias falsas, só para resumir, três coisas...

   Sim
   Uma é que, sim, nós sentimos a responsabilidade de garantir que estamos fazendo a coisa certa. Algumas vezes os nossos sistemas não funcionam da maneira que gostaríamos. É nossa falha. Segundo, nós e outros, que fornecemos plataformas e sistemas de publicidade, precisamos continuar vigilantes para assegurar que esses sistemas não sejam usados por pessoas que falseiam sua identidade ou tem alguma intenção espúria. É uma batalha em andamento. E, terceiro, vamos continuar a trabalhar com a indústria jornalística, de modo colaborativo, para ver como avançar, para desenvolver formatos, abordagens, por exemplo, em jornalismos de dados. 

   O Projeto AMP (acceleratede Mobile Pages), que nasceu em colaboração com a indústria jornalística, acaba de entrar no mercado chinês, por meio do Baldu e do Sogou, os dois buscadores mais populares no país. O que isso significa?
   Obviamente, estamos encantados que o Baldu e o Sogou tenham entrado no AMP também. É um projeto de código aberto, ou seja, eles concluíram que a abordagem de arquitetura do AMP é bastante sólida e satisfatória para os seus interesses. Eu acho magnífico, porque é claro que acrescenta maior impulso ao esforço. Haverá mais desenvolvimento por terceiros. 

   Em entrevista à FOLHA, Alan Rusbridger, ex-editor-chefe do “Guardian”, falou que as organizações jornalísticas não têm como evitar um pacto com o diabo, com o Google o Facebook. O Google também vê assim? Google e os veículos estão fadados a achar áreas de interesse em comum, inclusive em publicidade?
   Eu penso que há muitas áreas de interesse em comum entre o Google e as organizações jornalísticas. Uma é que o Google e os veículos têm alguns objetivos comuns. Ambos acreditamos na importância de ter um sistema aberto para expressão, que é a web. 
   É importante para o Google, porque nosso maior produto, o sistema de buscas, depende da existência de um ecossistema rico de conhecimento.
   Nossas plataformas de publicidade, que é onde fazemos dinheiro, são usadas por milhões de veículos na web, então é importante que esse ambiente seja aberto e vibrante e sustentável. E é o mesmo para os veículos. Esse ambiente aberto é crucial para o seu futuro, para a sua capacidade não só de servir a audiência que tem hoje mas para encontrar novas audiência. Num ambiente aberto, não num ambiente que seja limitado pelas paredes de uma rede social, por exemplo. 
  
 Como você vê os “paywalls” [ limite de textos disponíveis para quem não é assinante ler de graça] que passaram a ser seguidos por organizações jornalísticas? É um problema para essa web livre defendida pelo Google?
   Não, eu não penso assim. Veja, conteúdo de boa qualidade é vital para o ecossistema. Nem todo conteúdo pode ser sustentado só por publicidade. Seria bom, mas pelo menos hoje não parece ser o caso. Portanto, a ideia de receita com assinaturas é crucial. E obviamente há muitas organizações jornalísticas que fazem trabalho de boa qualidade, para o qual uma assinatura é muito apropriada. Para ser franco, também estamos trabalhando com veículos para ver como podemos ajudar a refinar esses modelos.
   Em lugar nenhum está escrito que a informação tem que ser grátis. Como todos sabemos, a tarefa jornalística não é fácil de realizar. Jornalistas fazendo trabalho duro, determinado, esforços caros, isso preciso ser pago. E é improvável que vá ser pago inteiramente por publicidade, então as assinaturas são importantes. 

   O Wikileaks acaba de divulgar novas intromissões do governo americano, em sistemas operacionais como o Android, do Google. Qual foi sua reação a essa notícia?
   Está havendo muita discussão sobre o que exatamente o Wikileaks revelou. Longe de mim comentar os detalhes, porque não os conheço. Mas sem dúvida eu não acho que seja preciso Wikileaks para entender que, no nosso mundo, há atores estatais, de vários tipos, bons, maus ou indiferentes, que estão fazendo o que podem para cavar as informações das pessoas. É nosso trabalho, é claro, fazer o nosso melhor para proteger esses sistemas: o do seu smartphone, a armazenagem de dados na nuvem ou o e-mail. (NELSON DE SÁ – DE SÃO PAULO, página A26, caderno mercado, domingo, 12 de março de 2017, publicação do jornal FOLHA DE S. PAULO).

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