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domingo, 5 de fevereiro de 2017

SOBRE AS PERDAS E A INDELICADEZA



   Diante da morte de pessoas públicas, muitos se dedicam aos ataques sem nem mesmo considerar o luto

   “Não é difícil escapar da morte. Todo soldado sabe, basta sair fugindo. O mais difícil é escapar da maldade, pois ela é mais rápida que nós.” Neste momento, o pensamento de Sócrates atravessa o tempo e serve como luva à situação nacional. Há poucos dias morria Teori Zavascki e a notícia veio acompanhada de uma série de ilações sobre a companhia feminina do ministro no voo, as insinuações sobre a vida particular da moça e a possibilidade – desmentida – de que ela tivesse um relacionamento com ele ganharam as redes sociais com tanto destaque e voracidade quanto a notícia da morte. 
   Na última quarta-feira, com o anúncio da morte cerebral da ex-primeira-dama Marisa Letícia, voltaram os ataques antes mesmo de se considerar o luto.
   Eles vinham não só de pessoas que detestam Lula e o PT mas, em fogo cruzado, atingiam também o juiz Sérgio Moro e a Operação Lava Jato a quem muitos apontam como “responsáveis” pela doença que vitimou Marisa, ainda que saiba que ela tinha um aneurisma há cerca de dez anos, o que pode ser considerado uma bomba-relógio em qualquer organismo. 
   Não é preciso ser muito equilibrado, mas apenas sensato, para perceber que ambos os lados usaram a morte para fins políticos. Acima de toda comoção pairava a raiva que tem permeado as relações no país, a ponto da gente ter saudade da acirrada disputa futebolística que- afora seus próprios excessos e horrores – é bem mais humorada que este rame rame que nos tem feito andar em círculos sem chegar a lugar nenhum. Quanto mais o pensamento político rasteiro toma conta dos debates, mais o país soçobra.
   A morte de alguém sempre me dá a medida da minha própria finitude. E me inspira respeito tanto pela vida como pelo vazio que a perda de alguém causa a quem o amava. Isso vale para todas as pessoas e todas as perdas. É um sentimento humano e universal. 
   Nos momentos de perda toda ilação responsável ou maldosa é um exercício de futilidade diante do impasse existencial que a morte nos traz. Impasse sobre o que vem depois e também sobre o motivo de estarmos aqui. Perguntas que as religiões respondem, cada uma a seu modo, mas que não podem encerrar certezas tendo em vista um mistério praticamente insolúvel. 
   Da minha parte, atenta à ética, penso que fazer uso político da morte de alguém é de uma baixeza sem fim. Revela a mesquinharia dos interesses sobre a perda, a solidariedade e o luto. Quando se trata de ilações maldosas todos faltam com o respeito num momento tão triste quanto solene. Foi lastimável observar o uso político que fizeram da morte de Marisa Letícia, alguns dizem que “não viram nada”, mas eu poderia enfileirar alguns comentários que encontrei na rede tanto dos que são simpáticos quanto dos que se antipatizam com Lula e o PT. Mas também me sentiria indelicada por patrocinar a falta de ética ainda que de forma crítica. Conheço jornalistas que não se seguram, que fazem deste tipo de situação um ponto favorável à sua meta de popularidade. Mas isso encerra a mesma baixeza dos irresponsáveis que disseminam coisas de menor importância diante da grandeza da vida e da morte. 
   Além disso, o costume das pessoas na rede ameaçarem “enfaticamente”: “se vier com mensagens de ódio eu te bloqueio”, revela também uma vontade de poder e uma raiva enrustida sem fim, a psicanálise tem explicações para isso.
   Não custa lembrar que menos é sempre mais. O silêncio respeitoso quase sempre é a melhor palavra. (Crônica escrita por CÉLIA MUSILLI celia.musilli@gmail.com caderno FOLHA 2, coluna CÉLIA MUSILLI, 4 e 5 de fevereiro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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