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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

FÓSFORO NA GASOLINA


   Sessenta e uma geladeiras 31 televisores, 23 fogões de pequeno porte. Parte da mudança de moradores de um condomínio? Não. Itens encontrados na Penitenciária  Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), onde 33 detentos foram mortos em rebelião no início de janeiro. Ainda foram encontradas 136 armas brancas que não tem nada a ver com as peças de composição de um faqueiro. Ao contrário, são objetos emblemáticos da crise de segurança pública que transforma os presídios em locais de “insegurança máxima”, de Norte a Sul do País. 
   Há décadas o Brasil não passa por uma reforma judiciária que poderia dar resposta à onda de violência que carrega consigo o enclausuramento de milhares de pessoas, numa mistura de presos que cometem crimes hediondos com pessoas que cometeram delitos leves e que poderiam estar em locais de recuperação de fato e não na companhia de alguma facção que carrega uma lei cruel e paralela. 
   Na falta de políticas prisionais que deem conta deste contingente de pessoas que formam um outro Brasil, as únicas medidas efetivamente tomadas -, além da promessa de construção de novos presídios – foram a transferência de presos e a convocação das Forças Armadas para atuarem dentro das prisões. 
   Enquanto o  país observa atônito as tragédias sanguinolentas, há quem se lembre que o PCC surgiu da mistura de presos comuns com presos políticos que ensinaram técnicas de guerrilha aos “vizinhos” num tempo em que não se tinha a real noção da explosiva mistura de intenções de situações de apartheit. No momento em que empresários, políticos e cabeças de partidos voltam às prisões por conta da operação anticorrupção, há quem tema pela proliferação de novas técnicas de inteligência e organização nas cadeias, repetindo-se a potência de acender o fósforo perto da gasolina. Algo como uma reciclagem da eficácia do crime que acontece pelo desencadeamento de acasos de tempos em tempos De qualquer forma, a barbárie é tamanha que parece que desta vez ninguém tem mais nada a ensinar ou aprender: todos os envolvidos – entre presos comuns e prisioneiros do colarinho branco – parecem já serem PhDs do ilícito. Sobra o receio do cidadão comum de conviver com a barbárie, na certeza de que o Estado perdeu a mão para o massacre da ética dentro e fora das prisões. A impressão é que venceu a ganância e a crueldade bem debaixo dos nossos olhos. Resta um dilema míope diante da realidade de um país entre as grades e as chamas. (OPINIÃO, página 2, quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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