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sábado, 18 de fevereiro de 2017

A PULTIMA LIMONADA

 

   A família nada lamentou, teve gente que chorou de canto, quando soube que o pé de limão iria ao chão, tão logo a obra do terreno na rua Uirapuru começasse. Dá pra entender. Afinal, foram anos e anos de colheita. Conversas e mais conversas debaixo do limoeiro. Enquanto colhia-se o fruto azedo, a gente falava das novidades, lembrava situações da semana e a prosa corria solta. 
   As crianças, também espertinhas na lida, já sabiam como escapar dos espinhos e entre os miúdos e graúdos limões, chegavam exigindo ora as sacolinhas, ora as saias e vestidos, forrados da pelota verde. Serviu para o tempero de salada, a limonada ou o desjejum com água morna aos adeptos do detox matinal. 
   Eita limãozinho abençoado. Já virou também cobertura de bolo, mousse de limão e para os amantes da caipirinha, tinha caldo suficiente. De baixa caloria e rico em potássio, vitamina A, B6, B12, C e D, Cálcio, Ferro e Magnésio, o limão merecia uma ode, ou um textinho que o deixasse vivo, ao menos na memória. 
   O fato é esse. Quis o destino que a planta do arquiteto não contemplasse a planta que ali viveu. Nem a planta, nem o pé, nem o fruto, nem a sombra. Agora, postos no chão, entrarão as personagens para as rodas de conversa como lembranças. Não feito drama, mas que era bom os tempos em que o pé carregado servia até para as brincadeiras de criança. Comidinha de barro nas panelas, jogos de burquinha, tudo ao pé do sombreiro.
   Por vezes, cheio de flores, o limoeiro ostentava frutos em galhos que chegavam a tocar o chão. Os pesadinhos, ali caídos, também não passavam despercebidos. E graças a última colheita, na gaveta da geladeira ainda há limões. Para o suco, a salada, o doce. A última limonada certamente vai ganhar uma jarra à altura da braveza do limoeiro. 
   A notícia é amarga para os moradores da avenida Beija-flor, das alamedas, Quero-quero, Saracuru, entre outras da ilha em Carlópolis. Falam que o pé de limão resistiu a tanto vento, a tantas chuvas, não apresentava uma praga e, mesmo condenado, foi fértil até a derrubada. A mais jovem da família, aos seis anos, ainda perguntou se não dava para replantar em outro terreno.
   Enfim, brindemos então ao limoeiro e aos que resistem em outros terreiros desocupados ou calçadas. Com instinto, a natureza faz sua parte – o movimento dos pássaros é constante – e já podemos ver que há outros pés de limões que resistem aos novos projetos arquitetônicos. (WALKÍRIA VIEIRA, jornalista do Grupo Folha de Comunicação , página 2, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 18 e 19 de fevereiro de 2017, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).    

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