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domingo, 11 de dezembro de 2016

DUAS CENAS DE NATAL

 

   Debaixo das árvores, numa via pública, sem que a gente suponha, pode acontecer o verdadeiro Natal 
   Na última terça-feira, atravessando a Praça Floriano Peixoto, ao lado da Catedral de Londrina, vi entre as luzes e enfeites de Natal duas cenas que são fotografias ternas desta época do ano: num lado da praça, uma neta conduzia delicadamente o avô que se movimentava com grande dificuldade no seu andador. Devia ter uns 90 anos o homem frágil que a adolescente ajudava a se equilibrar conduzindo-o frente à frente, enquanto sentia nos próprios pés as ondulações do calçamento e ia avisando: “Olha, vô, aqui vai ter uma descida mais forte.” “Ás vezes também imprimia confiança à caminhada dizendo : “Vamos por aqui que é mais fácil”. O velho só balançava a cabeça e movia as pernas sentindo o peso da idade.
   No lado oposto da praça, quando já me preparava para retomar o Calçadão, outra cena, somada à primeira, me emocionou quando observei uma avó com uma das pernas amputada, amparar-se numa muleta para tirar fotos da netinha que fazia poses entre pinheiros iluminados e um presépio. 
   Para muitos a decoração do Natal pode parecer piegas, além disso, a data realmente tem lá seus exageros comerciais que a transformam em mais um momento de consumo. Mas a sua essência ainda permanece intacta aos olhos de quem vê o Natal com outras lentes. Para mim, as duas cenas que relato aqui são a síntese do amor que permeia o dia a dia de muitas pessoas que se desdobram em paciência para atender as necessidades físicas e emocionais dos membros de sua família. Ambos os casos citados são exemplos de entrega e dedicação a quem pode menos, a quem se curvou à idade, a quem perdeu uma das pernas nas batalhas da vida. 
   A neta que conduzia o avô no andador, da qual nem sei o nome, certamente abdica de noites de passeio com pessoas de sua idade para dar a caminhada fundamental para o avô, sentir-se vivo, contemplando as luzes de Natal com olhos de “primeira vez” a cada ano que passa, mesmo sabendo que a existência não é eterna. Da mesma forma, sua neta deve intimamente fazer os cálculos para concluir que o avô não tem muitos anos pela frente , mas ali, naquele instante, ela cumpre sua parte, e o pacto entre os dois é um desses momentos de amor profundo que a gente guarda na lembrança depois de todos os entes queridos já terem partido. Sempre repito que uma das minhas lembranças mais ternas é o barulho dos chinelos de meu pai no corredor do apartamento nos últimos cinco anos em que viveu comigo. Esses passos serão sempre música, música em família, música de Natal. 
   Já a avó com uma das pernas amputada me deixou sem fala. Aquele momento encantador em que a netinha saudável, com cinco ou seis anos ainda, posava para ela como uma personagem do cenário de Natal tem mais beleza que todas as vitrines, todos os shoppings enfeitados, todas as estrelas de luz e a neve da mentirinha, Aquele momento resumiu para mim, este ano, o amor do Natal que nos comove. 
   Diante disso posso dizer que em 2016 já tive minha “noite feliz” e que não foi sentada à mesa com todas as iguarias, todos os presentes. Meu Natal se deu numa praça pública, com pessoas que não conheço, à beira de uma manjedoura com as imagens representando o Menino Jesus, sua mãe Maria e seu pai José. Todos personagens que identificamos como sendo próximos como as tias e primos, os filhos que carregam o nome de nossos pais. 
    Não caminho pelas ruas procurando cenas nem temas de crônicas, acredito que elas mesmas me encontram no íntimo eu talvez as “chame” convocando momentos imperdíveis da via sem os quais seriamos menos humanos. Meus olhos tornam-se assim uma câmera que vai transformando imagens em palavras. Um modo de registrar a beleza da vida que todos os dias nos traz presentes que nem sempre enxergamos debaixo das árvores, numa via pública, onde, sem que a gente suponha, pode estar acontecendo o verdadeiro Natal. (Crônica da jornalista e escritora CÉLIA MUSILLI celiamusilli@gmail.com página 2 e 3, caderno FOLHA 2, 10 e 11 de dezembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA). 

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