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sábado, 19 de novembro de 2016

A VIDA E A CANÇÃO


   Houve um tempo, e nem faz muito tempo, existia algo chamado comunicação: cartas, telégrafo, cinema, TV, rádio que era bem acessível, e muita música. 
   Tecnologicamente já estamos há anos-luz dessa época, mas sempre é bom lembrar coisas antigas, inimagináveis, a não ser por alguns de nós, que vivíamos no século passado. 
   Despertando os sentidos, trazendo cheiros, gostos na boca, arrepios na espinha, dores, alegrias, saudades e lembranças ao coração, preenchendo todos os cantos da vida, assim eu sempre entendi a música. 
   E bem assim, com notas musicais entrando nas casas e no coração da gente, conforme o gosto do dono ou a preferência do vizinho, pelo rádio, pelo alto-falante, pelo som da vitrola, radiola ou pela voz do próprio cantor. Cultura, alegria, incômodo, não importava!
   Desde muito pequena eu gostava de música. De ouvir e interpretar a letra imediatamente, de perguntar o porquê, de dar vida aos grandes dramas das melodias melosas, românticas, engraçadas ou tristes. 
   Das populares às sertanejas, das clássicas às folclóricas, naquele tempo, diferente de certas letras de hoje, tudo era bom. “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora...” Minha mãe cantava e quando eu me sentia triste encostava mesmo pra saber se era verdade. “... quem matou o meu filhinho foi um boi sem coração”... O Menino da porteira, causava berreiro... Ah, me fez chorar muito, por imaginar o boi sem coração matando a pobre criança! 
   Havia uma música folclórica que me deixava inconformada – “veio o gavião e a canarinha levou”. E agora? O canarinho ficou viúvo porque a mulher dele morreu... Ou então “Filme triste”, musiquinha dos anos sessenta... Corria pra minha irmã mais velha. “Por que ela ficou triste no cinema? O que aconteceu? Como era a história!” E chorava com dó da moça. Quando ouvia a Via Sacra, transmitida pelo rádio, na Semana Santa, era um rio de lágrimas... Por que estão maltratando Jesus? Por que ninguém ajuda?”
   Outra música que me deixava de cabelo em pé era cantada no início da quaresma e nos enterros: “pecador agora é tempo.. . pede a Deus, despede ao mundo, já não sejas pecador...” Eu ficava com medo de morrer cheia de pecados! E sofria muito. 
   Minha irmã costumava cantar uma música que falava “Faz-me rir o que andas dizendo...” E a gente cantava fazmerriro tudo junto e queria saber o que significava aquela palavra esquisita. 
   As músicas sertanejas se tornavam paisagens lindas, as românticas criavam histórias de amor, com homens maravilhosos cortejando as moças; as engraçadas se tornavam piadas e as tristes ficavam mais tristes quando se materializavam enternecendo os corações endurecidos – o meu era um rio de lágrimas!
   As canções se misturavam com a vida, a vida com as canções. Na adolescência tínhamos a “música da minha vida”, quase sempre de dor de cotovelo, cantando um grande amor que não deu certo; mas a gente constantemente trocava de música, de acordo com o correr da vida. E nos relicários, a perguntinha básica: Qual é a música da sua vida?
   Pensando bem, hoje, tudo isso poderia ser considerado um atraso de vida. Em nossos dias a música já vem pronta pra gente ouvir, com cifras pra tocar, com letra pra não errar e com o vídeo para contar a história, muitas vezes difícil de se entender. 
   E o nosso olhar se volta, mais uma vez para um passado, (cronologicamente (meio século) não tão distante quanto tecnologicamente.
   Aí, com toda modernidade a gente procura “na internet” aquela música antiga, escolhe o cantor, a letra, e embarca virtualmente para recordar os bons tempos em que a nossa vida se misturava alegremente com aquela canção. 
“ E por falar em saudade...” (ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, página 3, coluna DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, 19 e 20 de novembro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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