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sábado, 29 de outubro de 2016

CINTURAS EXUBERANTES


   POR seis milhões de anos, a humanidade passou fome. No tempo das cavernas, nossos antepassados disputavam carcaças de animais com urubus e hienas.
   Moldado na penúria, nosso cérebro desenvolveu redes de neurônios que estimulam a fome e fecham os olhos para a saciedade até passarmos mal de tanto comer. Essencial para a sobrevivência da espécie, esse mecanismo chegou intato até nós. 
   Então veio a segunda metade do século 20, em que novas tecnologias de produção agrícola, de armazenagem e preservação permitiram oferecer alimentos de boa qualidade a grandes massas populacionais. A dieta da classe média de hoje é mais nutritiva do que a dos nobres de antigamente. 
   Um cérebro engendrado para enfrentar epidemias de fome não estava preparado para o convívio com a fartura. A capacidade do organismo em transformar em gordura qualquer caloria em excesso, essencial para sobrevivência em épocas de vacas magras, voltou-se contra nós. 
   As consequências foram desastrosas: 52% dos brasileiros estão na faixa de excesso de peso ou obesidade, número que ultrapassa 70% nos Estados Unidos e no México. A obesidade se tornou epidemia na América Latina, Europa, Austrália, nos países árabes e até na China. 
   Para avaliar os riscos do acúmulo excessivo de tecido adiposo, foi criado o índice de massa corpórea (IMC), calculado a partida relação entre o peso e o quadrado da altura (IMC= Peso/altura x altura). 
   Valores para o IMC abaixo de 18,5 caracterizam subnutrição; entre 18,5 e 24,9 está o peso saudável; de 25 a 29,9, o excesso de peso; e acima de 30, a obesidade. 
   Embora útil, o IMC não leva em conta a constituição física: um homem de 1,80m, musculoso, com ossadura robusta, não pode ter o peso de um longilíneo da mesma altura. Da mesma forma, não permite distinguir aqueles com distribuição uniforme de tecido gorduroso dos que o acumulam no abdômen. 
   A relação entre massa corpórea e mortalidade não é linear, entretanto. Naqueles com IMC acima de 30 e nos que caem na faixa da subnutrição, a mortalidade é mais alta, constatação conhecida como “paradoxo da obesidade”. Essas análises, no entanto, são influenciadas por cigarro, doenças pré-existentes, sedentarismo, emagrecimento ou curto período de observação. Vários estudos mostraram que o acúmulo de gordura na cintura (corpo em forma de maçã) aumenta o risco de doença cardiovascular, porque está associado a depósitos de tecido adiposo entre as vísceras abdominais, distribuição não encontrada nos casos em que a gordura está localizada preferencialmente nas cadeiras (em forma de pera). 
   Em 2014, epidemiologista da Mauo Clinic, nos Estados Unidos, fizeram a análise conjunta (metanálise) de 11 estudos que incluíram 650.386 mulheres e homens, acompanhados por um período de 21 anos. (Crônica de DRÁUZIO VARELA, página C-10, caderno ILUSTRADA, sábado, 29 de outubro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE S.PAULO).

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