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quarta-feira, 17 de agosto de 2016

O CORPO É SUJEITO: A POTÊNCIA NO CORPO DA MULHER NEGRA


   Rafaela Silva, judoca brasileira que ganhou a primeira medalha de ouro do país na Olimpíada do Rio 2016, traz junto a ela muitas experiências, dentre elas a de ser mulher negra e da comunidade Cidade de Deus, favela localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. Mas no que isso influencia Rafaela? 
   Rafaela transformou seu corpo em arma política diante das opressões. As marcas de opressão que estão em Rafaela são memórias vivas em todos nós. Parte da opressão que sofre deixou de ser individual e passou a ser coletiva, quando relembramos a fatídica Olimpíada de Londres, em 2012, no momento que Rafaela sofreu duras ofensas racistas e machistas. Reflexo da realidade brasileira que parece se escancarar cada vez mais com o avanço fascista. 
   Mas essa não foi a primeira vez que a atleta se deparou com a opressão. E, infelizmente, não foi a última. O contexto social deixa claro onde Rafaela se situa. 
   E são essas memórias, individuais e/ou coletivas que nos fazem observar o corpo como o maior instrumento de potência na luta contra opressões. E Rafaela, assim como todas as mulheres negras, diante da opressão se revigora. E essa visão parece bem otimista. 
   Arrisco-me dizer que ela poderá dar margem para os mais conservadores tentarem atravessá-la com um discurso de meritocracia. Senhores (as), já aviso que não permito. Essa visão otimista é apenas para evidenciar que apesar de tudo, resistimos. 
   A falta de infraestrutura, recursos financeiros e o diagnóstico precoce de um mundo racista por pouco não arrancaram de Rafaela o ouro tão dela. Ela, Rafaela, sujeito de sua história. 
   Rafaela é o sujeito da própria história. Essa é a influência que Rafaela exerce sobre ela mesma. Rafaela ocupa dentro de sua história um lugar especial. Não foram apenas os programas sociais, o bolsa atleta, o enfrentamento ao racismo e o apoio dos familiares que possibilitaram a ascensão de uma atleta, mas sim a junção de todos esses embrenhamentos no sujeito Rafaela. Assim como em todas nós, mulheres negras. 
   E é isso que possibilita que nós, mulheres negras, resistamos. Os embrenhamentos de uma vida cheia de marcas. Aquela marca que muitas vezes não queremos lembrar. 
   Aquela marca de sermos nós e um currículo negado por não ter boa aparência. Aquela marca de ter atendimento ginecológico negado pelo profissional de saúde porque ele tinha nojo. Aquela marca de ser abandonada pelo companheiro e carregar em si um filho e ter mais três segurando sua mão esperando comida. 
   Aquela marca de ser humilhada pela patroa. Aquela marca de parir sozinha, em sua cela solitária, o filho e não ser acolhida pela equipe médica, muito menos pelo amor. Aquela marca de perder um filho de 13 anos para a guerra das drogas. 
   Todas essas marcas que as classes dominantes insistem em deixar em nós. Mas que apesar disso, resistimos. 
   Rafaela não é apenas um exemplo de que as oportunidades (como as cotas sociais e raciais, o incentivo à cultura, esporte e educação – de qualidade ) dão certo, é bem mais do que isso, é um exemplo de que se há oportunidade , há possibilidade. 
   E mais do que indivíduos, somos sujeitos. Mas muitas vezes estamos sujeitos (como cantarola AnélisAssumpção – “Estou sujeita, sou sujeita, não sou santa”). Transitar no verbo para deixar de estar sujeito e ser sujeito é lindo.
   E retorno afirmar, existimos. 
   Esse texto é uma homenagem a todas as mulheres negras que têm sua ancestralidade em Nzinga, Dandara, Nubia,minha avó, sua avó, nossas avós e nossas mães. 
   “Um pouco de possível, senão eu sufoco” (Gilles Deleuze). (JAQUELINE VIEIRA, é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina).

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