Páginas

quarta-feira, 20 de julho de 2016

HOMEM-LAGARTIXA



   Cientistas descobrem sistema de regeneração de membros presente em diferentes espécies, como anfíbios e peixes ; achados podem abrir caminho para futuros tratamentos de perda de membros

   Nas histórias do Homem-Aranha, a saga do Lagarto começa com um soldado que perdeu um braço na guerra do Vietnã. Ao voltar para casa, o combatente se torna o Dr. Curt Connors e inicia sua busca para regenerar o membro perdido. O cientista desenvolve, então, um soro a partir do genoma de répteis. O resultado é o Lagarto.
   A descoberta recente de uma rede que controla os genes ligados à recuperação de membros pode ajudar a abrir novos horizontes nessa área de pesquisa. Cientistas da Universidade de Maine (EUA) analisaram o genoma de três animais com grandes capacidades regenerativas. Para desanimar os fãs de super-heróis, nenhum deles é um réptil. 
   No mundo real, anfíbios são conhecidos por grandes capacidades regenerativas. Além deles, a cauda que se solta das lagartixas talvez seja o exemplo mais comum de regeneração que as pessoas conhecem – tirando, claro, personagens famosos de quadrinhos. 
   Para não achar apenas características que dizem respeito a uma determinada espécie, os pesquisadores estudaram organismos evolutivamente distantes. O peixe zebra (Danio rerio), o o bichir-cinza (Polypterus senegalus) e o axolote (Ambystoma mexicanum) tiveram um último ancestral em comum há 420 milhões de anos, durante o período paleozoico.

   AXOLOTE

   No peixe-zebra foi analisada a capacidade de regeneração da nadadeira caudal, no bichir-cinza da peitoral, e no axolote, uma espécie de salamandra, das patas dianteiras. 
   Em todas as espécies, foram estudados os fatores que levam à formação de blastemas, estrutura importante na regeneração de membros. 
   Os blastemas selam a área próxima à lesão. Na região em que ocorre essa “cicatrização”, as células sofrem um processo de desdiferenciação, ou seja, elas “voltam no tempo” e deixam de ser ter funções específicas de um tecido. São essas mesmas células que, em seguida, começaram a se especializar novamente e formarão o membro regenerado. 
   Os pesquisadores conseguiram descobrir uma rede de miiRNAs (microRNAs) que regula o processo de regeneração. Estas fitas de RNA servem para silenciar (inativar) a ação de determinados genes. 
   “ É como se fosse uma impressão digital. Ele são importantes para a manutenção do estado em que as células estão. É importante para a identidade celular “, afirma Luciana Vasques, pesquisadora da USP na área de biologia molecular. 
   Em resumo, ao descobrir os miRNAs envolvidos na criação dos bastemas, os cientistas conseguiram identificar os genes que provavelmente são responsáveis pelo processo de regenerar um membro. 
   Nos três animais, o miR-21 foi o miRNA mais ativo, o que delimitou ainda mais o campo de pesquisa. Esse foi o primeiro estudo comparativo a identificar em três espécies um circuito, conservado durante a evolução, que regula a regeneração dos membros. 
   “ Eles estão vendo que alguns mirNAs são importantes na desdiferenciação e na diferenciação novamente, inclusive regenerando diferentes tecidos, como osso e músculo “, comenta Vasques. A descoberta foi divulgada na revista científica “Plos One”.

   TRATAMENTO

   A utilização de miRNAs para silenciar a expressão de genes (produção de proteínas) pode ajudar também no tratamento do doenças degenerativas. Uma pesquisa focada na doença SCA6 (ataxia espinocerebelar tipo 6) foi divulgada nesta quarta (13) no periódico “ Science Translational Medicine “. 
   Esta condição neurodenerativa normalmente começa a se manifestar entre 40 e 50 anos de idade. A SCA6 causa perda progressiva da coordenação de caminhada, deficiência no movimento das mãos, dos olhos e dificuldade de fala.
   Como um cavalo de troia, vírus foram usados para levar miRNAs para o interior das células de um rato. O alvo dos pesquisadores da Universidade de Chicago, da Universidade Médica Jichi e da Universidade de Tokyo era um centro ribossômico de controle de tradução , ou seja, um local que controla a produção de proteínas. 
   A partir disso , os cientistas conseguiram controlar atividades celulares e proteger os ratinhos da progressão das dificuldades motoras e da degeneração de células cerebrais. 
É a primeira vez que um estudo se utiliza desse centro ribossômico para tratamento de doenças genéticas. (PHILLIPPE WATANABE – COLABORAÇÃO PARA A FOLHA. FOLHA CIÊNCIA + SAÚDE, domingo, 17 de julho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE S. PAULO).

Nenhum comentário:

Postar um comentário