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quinta-feira, 2 de junho de 2016

VIOLÊNCIA OLÍMPICA


   O caso da menina estuprada violentamente no Rio cria violências em série à medida que vão surgindo hipóteses. A agressão sexual como fator de humilhação é incontestável, some-se a isso a possibilidade de uma participação consentida em orgia e os moralistas encontram a justificativa do estupro, embora as investigações apontem para outra situação. Se isso já é complicado, fica pior ainda com a hipótese de estupro como forma de “justiçamento” ou punição por ela ter traído o tráfico, chegaram a considerar isso. Quando a gente acha que a barbárie atingiu o ápice, ainda vê pessoas julgando a moça nas redes sociais, criticando seu comportamento, transformando quem seria vítima em ré. E quando a gente acha de novo que a barbárie chegou ao limite, certa militância resolve “aproveitar’ o estupro politicamente. Sim, o oportunismo neste caso também é hediondo e requer manobras de raciocínio impressionantes. Por outro lado, o caso também explodiu no exterior e muitos estão cancelando a vida para as Olimpíadas por medo da violência na cidade que seria maravilhosa, não fosse o crime organizado, o caos flagrante fora dos eventos , o duro contraste entre a urbanização de primeiro mundo feita para os jogos e as favelas cada vez mais populosa onde cidadãos honestos perdem entes queridos para a guerra entre a polícia das UPPs e o tráfico. Eu também não tenho vontade de visitar países dominados pelo terror. É o que o tráfico faz hoje no Brasil: terrorismo, é nosso Estado Islâmico com requintes de tortura que vitima homens e mulheres todos os dias. Essa violência às vésperas das Olimpíadas é importante, é a “Ilha da Fantasia” desmoronando. É um choque constatar que criamos essa ilha com nossa falsa alegria que, na semana passada, acordou cercada por 33 homens armados de fuzil, um exemplo de “fascimachismo” impressionante contaminando tudo: do estupro à política, passando uma inegável miséria sociocultural que é a base de tudo. Miséria é o substrato dessa barbárie e poucos tocam no assunto.
O que aconteceu com essa moça não é caso isolado. Só que desta vez tudo foi filmado e divulgado como um trunfo da crueldade. Isso derruba todos os valores com que um tiro de escopeta nos miolos da Ilha da Fantasia , não há o que recolher. (CÉLIA MUSILLI, jornalista e escritora em Londrina, página 2, ESPAÇO ABERTO, quinta-feira, 2 de junho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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