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domingo, 19 de junho de 2016

POMBAS!




   Sempre defendi as pombas de Londrina. Anos atrás, quando falaram em abatê-las ou espantá-las colocando postes de luz nos locais onde dormem fiquei com pena, das pombas. Também ri à beça quando alguém teve a ideia de caçá-las com rede, sabia que elas levariam e melhor e fiquei imaginando os homens encarregados da caçada enroscando as redes nas copas das árvores, enquanto filhotes fugiam pelos buraquinhos. Confesso que torci por eles. Agora, de volta à cidade, notei que o Bosque tornou-se um local impossível de atravessar. De manhã tem caca para todo lado e se antes os londrinenses enterravam o pé no barro, hoje sujam as botas com outra coisa. Assim, resolvi investigar as pombas, seus hábitos, para ver se descobria a razão dos excessos. 
   Numa noite dessas, voltando do trabalho, passei pela calçada da Catedral tentando enxergar onde elas dormem. Primeiro vi pontos brancos em grande quantidade, até pensei que fossem folhas vistas de baixo para cima, rebatidas pela iluminação noturna, mas logo percebi que havia rabinhos elegantes e pensei: “as folhas podem ter pontas, mas não rabos bem desenhados.” Não havia dúvidas, eu estava diante de um pombal nunca visto por quem passa de carro ou não tem o hábito de procurar objetos estranhos no céu.
   Enquanto observava as pombas, uma delas, mais velha e cinzenta, desceu dois andares de uma árvore e puxou assunto: 
   - Você tem o costume de andar olhando para cima?
   - Não, só quando vejo muitas pombas juntas, dá até medo. A propósito, sendo a senhora uma matriarca, poderia me explicar o motivo de tanta reprodução? 
   - Apenas seguimos o mandamento: “Crescei e multiplicai-vos.”
  -Vocês andam escutando os sermões da Catedral?
   - Quase sempre as 7 da manhã e às 19 horas, afinal dizem que somos feitas à imagem do Espírito Santo.
   - Mas fora os motivos religiosos, o que leva vocês a se reproduzirem sem parar? Há uma razão biológica?
   - Como jornalista, você sabe que Londrina é cercada de lavouras, tem muitos grãos que nos alimentam nas safras, além disso, os grãos estão cheio de agrotóxico que nos deixam doidonas.
   - Como assim “doidonas”?
   - Simples, agrotóxico também dá barato, ficamos mais potentes e saímos da lavoura em voos nupciais a mil por hora. Nunca ouviu falar no amor incontrolável dos pombinhos?
   - Mas eu sempre achei que agrotóxico matasse... 
   - Depende, as espécies se acostumam com eles, não se lembra daquelas baratas das tirinhas... ou melhor, barato – viciado em inseticida, o Filt? Mas, além disso, somos muito bem alimentadas aqui mesmo na cidade. Aproveitamos as sobras do Bar do Português, do boteco do Jaime e, dobrando a esquina da rua Souza Naves, temos a lanchonete do Vagner. Ficamos por ali para aproveitar as sobras. Comida de primeira, fora as pipocas que os frequentadores da Rocha Pombo jogam para nós. 
   - A Praça Rocha Pombo?
   - Sim, nome de um antigo político paranaense, nosso parente distante. 
   - Ah! Fora isso, o que tem de bom no centro de Londrina que faz vocês transformarem o bosque em dormitório?
   - Olha, tem os shows na Concha Acústica, a gente gosta de hip hop e, de vez em quando, ouve o gospel das igrejas. 
   - Sei, quer dizer que tendo lavoura de agrotóxico, música e comida está garantida a proliferação do pombal. 
   - Sem dúvida, isso nos faz felizes. E felicidade termina em boa reprodução. 
   Neste ponto da conversa, desceu ao lado dela um pombo garboso que se apresentou como seu terceiro marido e foi logo perguntando: “Você não vem pra cama?”
   Saí de fininho, enquanto o casal se afastou trocando beijinhos e dançando o break aprendido nos shows da Concha. Percebi que a batalha sem rimas está definitivamente perdida. (Crônica da jornalista e escritora Célia Musilli, celia.musilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, espaço coluna CÉLIA MUSILLI, domingo, 19 de junho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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