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quarta-feira, 1 de junho de 2016

PARA QUÊ


   Desde que se lembrava de existir, nunca havia pensado na vida. Vivia. Tudo fazia parte da normalidade. Nem o frio, nem o calor e, claro, muito menos a fome. O prazer das coisas boas? Que prazer? Tudo é normal. Aos que o rodeavam, até por seleção natural, eram iguais. 
   Se caminhava pela cidade, as vitrines, carrões ou transeuntes, lhes eram invisíveis. Com a cabeça focada no último boletim da Bolsa de Valores, automaticamente calculava o imenso lucro que acabara de ter. Mas até isso era normal, pois desde muito jovem o pai já lhe encaminhara, como ele também havia sido encaminhado, pelo mundo dos investimentos milionários, tudo era rotina, um automatismo só. 
   Não conseguia expressar quaisquer sentimentos, nem de alegria ou de tristeza. Tudo era normal. Um simples sorriso jamais fazia parte de sua personalidade. Sorrir ou fechar a cara, para quê? 
   Nunca precisou de ninguém que não pagasse por isso, logo o favor, não existia em sua vida. Mas também isso era normal, não conseguia ver de outra forma.
   Um dia, como haveria de ser igual a todos os outros de sua vida, alguém lhe bate às costas para chamar sua atenção. Automaticamente, sem esboçar qualquer reação, vira-se e vê que um menino, um adolescente, com vestimentas muito simples, embora que sequer tenha prestado atenção nisso, lhe estende a mão, entregando-lhe a sua carteira que havia deixado cair. 
   Sem esboçar o menor sinal de agradecimento, apanha a carteira, e sem se dar ao trabalho para verificar se o conteúdo ainda estava ali – ver para quê? Isso não iria fazer a menor diferença – a coloca no bolso e continua sua caminhada. 
   Era orgulhoso, arrogante, grosseiro ou mal educado? Claro que não. Simplesmente vivia. A vida cursava, e ele, mais por instinto, seguia vivendo. Se as coisas externas não lhe tocavam, igualmente as inferiores.
   Assim passou pela vida. Não houve amores, nem ódio, nem a indiferença, só mesmo a vida, até que, sem se dar por conta, notou que até mesmo a vida não lhe fazia a menor diferença e, foi quando percebeu que não fazia mais parte dela. Também, fazer parte para quê? Assim, continuou ou não, que importa! ( JOSE ROBERTO BRUNASSI, advogado, página 3, caderno FOLHA 2, espaço CRÔNICA, quarta-feira, 1 de junho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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