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sexta-feira, 10 de junho de 2016

A PRIMEIRA MENINA DE LONDRINA


   Recebi a notícia de que a Câmara pretende conceder a Cidadania Honorária de Londrina à sra. Maria Alice Brugin de Arruda Leite. Acredito que poucas pessoas na cidade merecem tanto o título.
   Nascida em 7 de abril de 1927, na cidade paulista de São José do Rio Preto, Maria Alice veio com os pais, os italianos Eugênio e Elvira Brugin, e os nove irmãos para Londrina, aos quatro anos de idade. Melhor seria dizer que Londrina veio até ela: quando chegou, após nove dias de viagem na carroceria de um caminhão, havia apenas mais duas casas com famílias, pertencentes ao libanês David Dequech e ao alemão Alberto Koch. Brugin decidira vir ao Norte do Paraná atraído por um anúncio que vira no trem: “Não há saúvas”.
   Era noite quando chegaram. Elvira perguntou a Eugênio: “Onde está a cidade?” A cidade eram eles. O quintal de Maria Alice se chamava floresta; é ali que brincava. Para as primeiras crianças de Londrina não existiam domingo, sábado, nem dia de semana. Todo dia era o mesmo dia de brincar e ser feliz.
   Ser feliz – mesmo face às enormes dificuldades materiais da época. Maria Alice se recorda de um dia em que chegou de longe uma encomenda festejada por todos: um pão de centeio. Elvira cortou cuidadosamente o pão em dez pedaços e os distribuiu para os filhos. Maria Alice se recorda de acompanhar a mãe até o Córrego das Pombas, onde hoje é a Via Expressa, para lavar roupas. A função das crianças era espantar os macacos que vinham atrapalhar o serviço. De vez em quando, Elvira parecia triste em meio a tantos sacrifícios. “Que foi, mãe, está chorando?”, perguntava a filha. “Não, foi só um cisco que entrou no meu olho.”
   Primeira aluna matriculada no Colégio Mãe de Deus, em 1936. Maria Alice viu nascer a cultura local, com a primeira apresentação teatral da cidade, no improvisado Cine Londrina. Na peça “Branca de Neve”, a primeira menina de Londrina teve o papel – revela, sorrido – de Bruxa. Nada pode estar mais longe de sua doçura pessoal. Agora, 80 anos depois, a cidade está prestes a inaugurar o Teatro Mãe de Deus. E Maria Alice estará lá , outra vez no palco, Desta vez, no papel de Mãe. 
   Eram os tempos dos meninos que vinham a cavalo da Warta para ir à escola na cidade; tempos dos Bailes do Assustado; tempos da Casa Sete e do pensionato dos Brugin, onde os primeiros hóspedes foram os irmãos Godoy; tempos de economizar moedinhas para ajudar na construção do Santuário da Mãe de Deus. Mais tarde, já casada com Francisco de Arruda Leite, o seu amado Chiquito, eram tempos de escrever uma carta ao bispo de Jacarezinho e pedir a vinda de um colégio católico para meninos em Londrina. “Recebi a carta de uma jovem mãe ansiosa para dar escola ao filho, e isso me emocionou”, disse o bispo. 
   Mãe do médico Weber Arruda Leite, avó de Weber Filho e Flávia, Maria Alice é, ao mesmo tempo, uma das guardiãs e protagonistas da memória de Londrina. Se a cidade tivesse uma menina dos olhos, seria ela. (Crônica do jornalista e escritor de AVENIDA PARANÁ, página 3, caderno FOLHA CIDADES, coluna AVENIDA PARANÁ – por Paulo Briguet. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br sexta-feira, 10 de junho de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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