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terça-feira, 31 de maio de 2016

POR QUE EU PRECISO ESTUDAR ISSO


   Em qualquer aula de Português, é comum que um aluno aborde o professor com essa pergunta do título. Afinal de contas, estudamos uma série de coisas que acabamos não usando no nosso dia a dia, não é? Ou você tem o costume de usar o pronome “vós”? E o pretérito mais-que-perfeito? Com que frequência você diz algo como “eu trabalhara” ou “vós estudastes”? 
   Bem, em primeiro lugar, é importante definir bem o que é “não usar” algo. Seu organismo é sempre movido a oxigênio, mesmo que você não tenha ideia do que é uma mitocôndria. Se a rua onde você mora alaga, não importa muito se são águas fluviais ou pluviais. Lembrando da nossa vida escolar, todos podemos pensar em coisas que estudamos e que, na prática, parecem não ser tão úteis assim. 
   Entretanto, é bom lembrar que a proposta do ensino fundamental e médio (incluindo aí tudo o que é cobrado em vestibulares e concursos ) é que o aluno tenha uma base para qualquer curso superior que ele venha a cursar. Assim, aquilo que parece não ser tão útil para um advogado é fundamental para um enfermeiro, e vice-versa. Há que se lembrar que certos conteúdos, como um fórmula matemática, serão importantes para profissões tão distintas como um engenheiro e um farmacêutico, só para dar um exemplo. 
   Mas voltemos ao português. Por que estudamos algumas coisas que não são partes do nosso cotidiano? A resposta é mais simples do que parece: na verdade, usamos sim, só que não nos damos conta. No caso do que foi citado lá no início deste texto, é bom lembrar que o pronome “vós” está presente em praticamente qualquer texto religioso. Então, se você é cristão, como 87% da população brasileira, você vê e usa pessoa do plural em textos bíblicos (“amai-vos us aos outros” ou “vinde a mim” e em orações como o “pai nosso” (“perdoai”, “não nos deixeis”, etc). 
   Independentemente da religião, há muitos assuntos estudados em gramática que se justificam pela literatura. Como já falamos aqui, em colunas anteriores, a língua é algo dinâmico, que muda primeiro na fala das pessoas para depois entrar em dicionários ou gramáticas. A literatura, de um modo geral, é sempre um reflexo do que se fala nas ruas. Sendo assim, a obra de Machado de Assis mostra o português falado no Brasil no final do século 19 e início do século 20, tanto quanto “Cidade de Deus”, de Paulo Lins, traz a língua utilizada nos centros urbanos nas últimas décadas. Conhecer o pronome “vós” para entender Machado é tão fundamental quanto conhecer as gírias usadas pelos personagens de Paulo Lins. 
   E é lógico que essas variações extrapolam a literatura. As músicas favoritas de seus avós, por exemplo, com certeza trazia palavras e tempos gramaticais que hoje talvez não sejam tão comuns. Isso não torna, de forma alguma, aquelas canções menos importantes para a história de nossa cultura e, por extensão, para a sua própria formação enquanto indivíduo. Conhecer nossa língua é também conhecer nossa própria vida, quem somos e quem podemos vir a ser. 
   Pode até acontecer que, daqui a alguns anos (ou décadas), nossos filhos e netos não precisem mais estudar certos pontos gramaticais e linguísticos. Seus pais ou avós, com certeza, estudaram latim no ensino fundamental, e isso pode nos parecer um absurdo hoje em dia. Mas, pelo menos por enquanto, é algo que se justifica plenamente, para qualquer brasileiro, independente da profissão ou idade. 
   Não se preocupe se os exemplos que citamos aqui parecem meio distante para você. Fique tranquilo, que trataremos do “vós” e do pretérito mais-que-perfeito em breve. Enquanto isso, continue mandando suas dúvidas e comentários para nosso e-mail.
   Até a próxima terça! ( FLAVIANO LOPES – Professor de português e espanhol. Encaminhe as suas dúvidas e sugestões para bemdito14@gmail.com página 5, caderno FOLHA 2, espaço BEM DITO, terça-feira, 31 de maio de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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