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domingo, 15 de maio de 2016

MULHER NÃO TEM NADA A PERDER




   Um dos motivos evocados nas redes sociais para o afastamento da presidente Dilma Rousseff é o fato dela ser mulher. Quer dizer que se fosse um homem que desse pedaladas fiscais no valor de bilhões de reais, disfarçasse a operação nas contas do governo por meses a fio e saldasse a dívida com juros muitos meses depois do prazo – como quem usa um cheque especial pago pela população – o sujeito também seria afastado por ser “homem” ou ninguém sequer se lembraria do seu gênero?
   Não, pessoal, o proselitismo tem limites mesmo quando a intenção é valorizar ou desvalorizar alguém. Ligar o fracasso de Dilma ao fato de ser mulher é a mesma coisa que valorizar os trunfos dos homens por serem...homens. Uma lição a ser aprendida é que mentiras repetidas se transformam em verdades e isso não é bom para ninguém. Para ser sincera, não invoco muito a diferença entre os sexos por considerá-la, simplesmente, sexista. Esse paradoxo dá a medida de uma discriminação às avessas em vez de promover a igualdade. Reconheço as lutas femininas sobretudo contra a violência – que é grande – os baixos salários, a incompreensão social e muitas vezes institucional nas fases de gravidez e parto. As mulheres nunca foram valorizadas o suficiente por colocarem filhos no mundo, mesmo sendo as principais responsáveis por sua educação. A sociedade não considera isso um mérito apesar das flores no Dia da Mulher, nem tampouco uma responsabilidade dobrada tendo em vista o peso do duplo papel entre a maternidade e o mercado de trabalho. Repetir tudo isso parece dispensável, mas se não repito amanhã não faltará quem me aponte classificando-me segundo minha “baixa compreensão” das dificuldades enfrentadas pelas mulheres. 
   O fato é que apesar do reconhecimento de que ainda existem barreiras a serem superadas, pessoalmente nunca me coloquei no mundo como alguém perseguida por ser mulher, nem culpei meus fracassos por ser do sexo feminino. Acho que isso não melhora a imagem que tenho de mim mesma, nem a imagem que as pessoas formarão a meu respeito a partir de reclamações que podem esconder outros defeitos, como o julgamento das situações apelando para um motivo que pode angariar simpatias segundo visão de quem enxerga o mundo de modo sempre fragmentado, mas sem chances de resolver de fato as diferenças. 
   Que me desculpem as radicais, mas tenho prazer em ser mulher e agir como mulher, seja isso uma condição natural ou criada a partir de padrões culturais, como vaticinou Simone de Beauvoir. De minha parte, sempre tendi a um modo feminino de lidar com as coisas sem fazer beicinhos porque “sou menina”, sem pretender regalias porque uso saias, sem me fazer de vítima porque sou mulher. Nos enfrentamentos procuro agir de igual para igual. O que isso significa? Significa ir à luta sem ceder a uma condição de desigualdade, mantendo minhas opiniões em ambientes masculinos ou femininos, sem também imitar os homens no que eles têm de pior: a competitividade excessiva, o discurso às vezes grosseiro, a atitudes de galos de briga, os xingamentos para se impor. Se for para entrar numa disputa acho que não preciso dar murros na mesa, mas desmontar o adversário com argumentos, que é o que fazem homens e mulheres quanto têm razão. 
   Da mesma forma, acho que Dilma Rousseff deveria ser avaliada por seus erros e acertos como gestora, não por ser mulher. Isso ao contrário do que pensam, seria obedecer a um princípio de igualdade real em vez de criar uma ficção que pode não se sustentar à luz da revisão das contas. A manipulação de ideias e ideais pode angariar simpatias num contexto emocional, mas pode não servir à razão. O que menos precisamos como mulheres é de vitimização. De minha parte, sempre preferi ir à luta e encarar os fatos sem forçar versões. (FONTE: celiamusilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, foto Marco Jacobsen, domingo, 15 de maio de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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