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domingo, 29 de maio de 2016

ALICE AGORA MORA AQUI



   De volta a Londrina, mantenho meu olhar para a cidade e seu encantamento

   Em 2010 mudei-me de Londrina e deixei uma crônica chamada “Alice não mora mais aqui.” Seis anos depois, venho informar que Alice voltou ou que, no fundo, nunca se mudou. Há qualquer coisa em Londrina que me impregna os poros, uma espécie de alma, um espírito urbano que faz meu coração disparar quando chego à cidade, desembarcando no seu aeroporto ou na rodoviária que Niemeyer projetou como um disco voador de onde saem conterrâneos e alienígenas que logo se integram à paisagem. 
   Poucos lugares me despertam o encantamento. São Paulo também tem um guardião que atrai pessoas de todo o Brasil. Londrina tem isso em escala micro, num cruzamento de culturas que nos faz sair pelo mundo e voltar falando outras línguas com o mesmo sotaque: “ de perrrto, sempre dá mais cerrrto.”
   Quando fui disse que era ligada a Londrina pela palavra, volto também ligada à palavra como jornalista de uma empresa com a qual, além do laço profissional, tenho laços afetivos. Quantas vezes olhei a cidade das janelas da redação tentando decifrar seus questionamentos e o que espera de mim, de nós, portadores da notícia. Ainda vejo Londrina como cidade-arte, porque essa foi minha formação jornalística num lugar que me oferece música, teatro e poesia, linguagens que me contaminaram em medidas diferentes e formam o caleidoscópio por onde passaram minhas escolhas. 
   Durante 25 anos morei de norte a sul, em todos os seus pontos cardeais, coincidentemente sempre na rota dos aviões que me lembram a valsa de Arrigo Barnabé em noites etílicas ou não : “Olha o avião.” Londrina filha da mata, embalada por voos urbanos. 
   Outras cidades me acolheram, namorei outros estados, mas levei Londrina e o Paraná comigo. Talvez nessa andança tenha ficado bipartida, contrariando os versos de Cecília Meirelles sobre a impossibilidade de habitar dois lugares diferentes: “Ou se tem chuva e não tem sol,/ ou se tem sol e não tem chuva!/ Ou se calça a luva e não se põe o anel,/ ou se põe o anel e não se calça da luva!/ Quem sobe nos ares não fica no chão,/ quem fica no chão não sobe nos ares ./ É uma grande pena que não se possa estar/ ao mesmo tempo nos dois lugares!”
Durante seis anos, meu grande elo com a cidade foram as crônicas na Folha de Londrina, o contato com os leitores para quem enviei “cartas” de amor e de revolta, eles sempre corresponderam. Aos domingos recebo e-mails desses interlocutores, razão pela qual também volto para conversar e ouvir “London, London” procurando discos voadores. O céu de Londrina é propício à aventura. 
   Na intimidade desta cidade tenho interlocução com o Paraná e coma própria linguagem que devo ter aprimorado em minhas andanças e travessias. Volto com alegria e afeto, agora bem perto, em todos os dias possíveis e até nos impossíveis. Mudei-me de Londrina como quem saiu emprestada, mas disse que voltaria. Alice mora de novo aqui, este é meu endereço, sem números, mantenho a palavra. Vamos continuar essa longa conversa aos domingos. (Crônica escrita pela jornalista CÉLIA MUSILLI celiamusilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo, 29 de maio de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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