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domingo, 24 de abril de 2016

REPÚBLICA DO BATOM



   Para criticar matéria “machista” sobre Marcela Temer, mulheres postam selfies fazendo beicinhos

   A matéria da Veja sob o título “Bela, recatada e do lar” correu as redes sociais na semana que passou como exemplo de que a “revista da direita” publicou um libelo antifeminista, enaltecendo a mulher pudica na figura de Marcela Temer, esposa do vice-presidente da República. Eu ri. Primeiro porque acho que o título foi proposital e irônico, feito na medida para chamar a atenção e funcionou. Quase todas as indignações serviram também para por a matéria no centro do debate. O fato é que a evidência sempre aumenta na proporção da critica veemente.
   Mas minha principal observação quanto à matéria “machista” sobre Marcela Temer, foi notar, na contrapartida, que na rede as mulheres repetiam a frase: “Bela, recatada e do lar”, postando selfies. Na minha opinião, o que deveria ser crítica passou a ser paródia da visão machista sobre a mulher. Lá estavam elas, feministas ou moças bem intencionadas postando fotos que as mostram belas, mas para insinuar que não são recatadas nem do lar, algumas preferiram “do bar”. Ainda assim, a escolha geral, pelo menos na minha TL, não foi de mulheres que vão à luta, mas mulheres que fazem beicinhos e mostram pezinhos para atrair a atenção masculina. Nada contra selfies, eu também publico, mas ainda acho que a pretendida crítica deveria nadar contra a maré que coloca a força da mulher ainda em seus predicados físicos como nos anos 50. Se eu fosse imitar a Bela Gil poderia sugerir: “Você pode trocar sua selfie-beicinho por uma atitude inteligente, por exemplo”.
   Não é de hoje que observo que a relação de liberdade feminina e corpo à mostra ainda prevalece. Fazer o que se quer com o corpo é um direito, mas não é a única arma , tampouco o único direito. Há milênios o corpo feminino serve ao ideal de beleza, quando poderia ser evocado de tantas outras maneiras. Ainda hoje, quando uma moça quer provar que é livre usa o erotismo que se transformou num clichê que às vezes não tem mais nada de revolucionário pela repetição. 
   Na última terça-feira, perdi algum tempo com o programa de Lucana Gimenez para ver uma entrevista de Geisy Arruda, a moça que defendi quando foi escorraçada numa universidade de São Paulo porque foi à aula com um vestido rosa curtíssimo. Passados sete anos desde que sofreu aquela injúria, Geisy investiu cada vez mais nos dotes físicos e quase nada na revolução dos costumes que a transformaram num objeto midiático sujeito às vaias ou aplausos que os machões dão quando querem. 
   Torço e tramo para que as belas se tornem feras, invertendo o condicionamento da liberdade apenas à redução das saias, migrando do lar não apenas para o bar, mas para espaços em que possam ser valorizadas por sua inteligência, conhecimento e personalidade, em vez de imitarem os padrões masculinos ou a porção “miss! De Marcela Temer. Vale lembrar que podemos trocar s selfie por ideias, m conceito que não se restrinja a uma sucessão de bicos. Uma amiga postou uma máquina de lavar como exemplos de “Bela, recatada e do lar”. Achei crítico e criativo, como outras escolhas. Nunca se esqueçam que a boca também serve para expressar opiniões, além de mostrar o batom, é claro. ( FONTE: celia.musilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, domingo, 24 de abril de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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