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domingo, 10 de abril de 2016

DISCURSOS CONSTRANGEDORES




   Em tempo de sangue quente na política, discursos se transformam numa fábrica de bobagens

   Passei a infância e parte da adolescência sob o regime militar, a tomar por essa experiência, desconheço bons oradores da política. Os generais não discursavam, não dialogavam, apenas olhavam feio para a nação, os olhares mais duros que já vi. Já na infância sabia que Carlos Lacerda, independentemente de suas posições políticas, foi considerado um dos maiores oradores do Brasil. Resgatei um discurso dele dia desses e achei de uma elegância incisiva, mas não grosseira. 
   Tudo isso me veio à mente por causa do auê que fizeram com o discurso da advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do processo de impeachment contra o governo Dilma, que causou “horror” aos petistas ao encenar sua raiva da “República da Cobra”, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, numa alusão a uma frase recente de Lula que se comparou a uma jararaca a quem quiseram “atingir na cabeça e atingiram no rabo” estando, portanto, a cobra viva. 
   Sinceramente, não gostei da fala de Janaína, embora admire sua força na liderança de um movimento difícil. Mas prefiro a sobriedade aos excessos, sou do tipo que acha que menos é mais, embora compreenda que na atual situação política é fácil ser tomado pelo pathos. Tudo é muito sanguíneo, vem das profundezas do descontrole diante de uma situação condenável sob muitos aspectos. Mas Janaína devia ser mais cuidadosa, saber que qualquer deslize agora será tomado como arma de combate e até por isso multiplicaram-se memes sobre sua fala na rede social – alguns agressivos – alguns divertidos como o Iron Maiden Cover, em que a performance da advogada ganha como tema de fundo o rock pesado da banda. Faz parte da verve dos brasileiros transformar tudo em humor, antes isso do que os ataques dos que querem transformar Janaína em louca, quando não a comparam a uma pastora evangélica tomando a semelhança num sentido que provoca a desconstrução de sua imagem. O que também considero preconceituoso. 
   Por outro lado, qual liderança nos faria no momento sentir orgulho de seu discurso? Neste quesito, vivemos uma fase pobre em forma e conteúdo. Lula que, ao contrário de muitos, não considero bom orador, falou uma enorme bobagem na última manifestação em favor do PT na avenida Paulista. Disse aos militantes aos berros que eles deveriam “cortar a veia dos que se vestem de verde e amarelo” e que se consideram mais brasileiros que eles. Aliás, disse “mais brasileiros que nóis” que é para afirmar sua origem popular em linguagem sempre caracterizada por erros, incluindo os de concordância. Disse isso para provar, de forma messiânica, que se cortassem as veias dos seus opositores veriam que “o sangue de todos é vermelho como o de Jesus”. Que enorme bobagem, que raciocínio primário levado a um discurso histórico e isso é apenas uma das inúmeras abobrinhas ditas por ele, considerado por muitos um grande líder, um “animal político” , e que eu vejo com enorme constrangimento. 
   Há frases antológicas de Lula que dão a dimensão de sua fábrica de bobagens. Em 2004, na Costa Rica, afirmou: “Fui ao Gabão para ver como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição”. Aos idosos, em 2007, aconselhou: “Quando se aposentarem não fiquem em casa atrapalhando a família. Tem que procurar o que fazer”. Mas o desastre total, na minha opinião, veio por conta de um trocadilho em 2007, quando a venda de carne à Rússia foi abalada porque os russos descobriram que os frigoríficos brasileiros ofereciam propina aos empresários de seu país. Lula disse: “Certamente o embaixador russo soube. Certamente comentou com Putin. E certamente o Putin ficou ‘putin’ com o Brasil”. 
   A essa altura, na República da Cobra, sinto vontade de me transformar numa nadja e enfiar a cabeça nas areias de um deserto longínquo de tanta vergonha ( FONTE: celiamusilli@gmail.com página 4, caderno FOLHA 2, espaço coluna CÉLIA MUSILLI, domingo, 10 de abril de 2016. Publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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