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sábado, 23 de abril de 2016

CHEIRO DE MÃE



   Alguns psicólogos afirmam que, pelo menos na teoria, a personalidade de uma pessoa se forma até os sete anos. Não sou psicóloga, mas, pela experiência, acredito que a janelinha da memória se abre e mostra que esse período de vida transborda lembranças, informações, aprendizado, como se o mundo todo viesse ao meu encontro e pedisse licença para entrar.
    Os sentidos são intensamente aprimorados. E a vida é bela, é pura, é leve, cheirosa, é como o despertar de uma primeira paixão pela vida e pelas pessoas da sua vida. 
   Lembro-me de ter uns hábitos que muitos pais não acham bons: chupar chupeta, querer ficar no colo, amassar paninhos nos dedos e esfregar na orelha. Queria o colo de minha mãe e sempre que chegava alguém eu dava um jeito de ficar lá, mexendo na gola de sua roupa e ouvindo, curiosamente, as conversas. Se não fosse o colo dela poderia ser de suas amigas ou minhas tias e tios. 
   O mais gostoso mesmo era sentir o “cheiro de mãe”. Minha mãe tinha esse cheiro. Eu chegava de qualquer lugar, me deitava na cama, mexendo nas pontinhas da fronha, fechava os olhos, sentia o gosto delicioso da chupeta, que não deveria ser trocada nunca para eu não estranhar, e ficava ali, feliz, descansada, em paz, como se estivesse no paraíso.
   Haviam outros cheiros que até hoje suscitam lembranças boas, como o cheiro de café torrado, misturado com a fumaça do fogão à lenha envolvendo toda a casa nas manhãs. O de ovos fritos, de bife e da sardinha que denunciava seu cheiro a todos os vizinhos. O pão “feito em casa”, assado no forno de barro, em folhas de bananeira, alguns com formato de bichinhos, especialmente para nós, as crianças. O cheiro da casa das vós e das tias, todos diferentes, porém, igualmente bons. Outro cheiro inconfundível era o de chiclete ou ping pong. Cinema e chiclete, um par perfeito. 
   O perfume de algumas flores como as maravilhas, cheirosas e coloridas, com as quais fazíamos colares, usando o talo do capim, ou o manacá, que envolvia o ar na porta da sala de minha avó Aninha, também são inesquecíveis. 
   Vieram com o tempo, outros perfumes especiais, como aqueles que marcavam as pessoas queridas e até hoje nos leva a ter a mesma sensação de carinho, de saudade, de dor. Lembram as maravilhas que era comprar perfumes da Avon? 
   Alguns odores não chegavam a ser bons, como os de brilhantina Glostora, creolina e BHC. Mesmo assim fazem parte da memória!
   Hoje, abrindo os frascos do inconscientes, reeditamos o arquivo de nossa memória, sentimos o perfume do passado, o cheiro de tudo aquilo que vivemos e que tornou nossa existência mais feliz e perfumada de boas lembranças. ( ESTELA MARIA FREDERICO FERREIRA, leitora da FOLHA, página 2, FOLHA RURAL, espaço coluna DEDO DE PROSA, sábado, 23 de abril de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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