Páginas

quarta-feira, 30 de março de 2016

A CRUZ DOS NOSSO DIAS


   Sempre que vou à Catedral de Londrina, gosto de parar por alguns momentos diante da imensa cruz de madeira que fica ao lado da porta de entrada. É uma obra impressionante, feita com troncos de árvores nativas. O que chama atenção naquela imagem é a força da figura de Jesus preso ao madeiro. No auge do sofrimento, Jesus revela-se em toda sua majestade de Deus-Homem.
   Aquela cruz vem de tempos antigos. Por ser feita de madeira de nossa terra, provavelmente de peroba, tem uma força simbólica que me faz pensar nas histórias dos pioneiros londrinenses. Quando estou diante da cruz, vejo um caminhão chegando em uma noite sem luar. Após longos dias de viagem, o caminhão traz a família do pioneiro Eugênio Brugin – ele, mais a mulher Elvira, que estava doente, e nove filhos. 
   Elvira só conseguia ver três casas de madeira no meio da floresta: uma delas, que o próprio Eugênio havia construído, com a ajuda de alguns camaradas portugueses. Então ela pergunta ao marido: 
   - Onde fica o resto da cidade, Eugênio?
   - Fica um pouco mais pra cima.
   Mas, na manhã seguinte, Elvira descobriu que não havia cidade “mais pra cima”. Em 1931, a cidade eram eles, mais as famílias de David Dequêch e Alberto Koch. Depois chegaram outros. Quase todos passariam pela fome, pela doença, pelo cansaço – pela cruz. 
   Um dia, Eugênio e o filho Fernando ajudaram a erguer uma grande cruz ao lado da Igreja Matriz, no mesmo lugar onde está a Catedral. Jovens e velhos se uniram naquela cerimônia simples e emocionante. Eugênio, imigrante italiano que perdera tudo com a crise de 1929, sentiu-se alegre quando viu a cruz em pé. Eles vieram reconstruír a vida no Sertão: naquele momento, teve a plena certeza de que não estava só. 
   A cruz que Eugênio ajudou a erguer naquele dia não era a mesma que hoje está na Catedral, mas guarda com ela um íntimo parentesco. São cruzes irmãs, são filhas da floresta. Representam a dor e a alegria e a glória daqueles homens e mulheres que venceram tudo para construir um sonho – o sonho que nós habitamos hoje. 
   Em Londrina, Eugênio e Elvira tiveram muitas alegrias, mas também passaram pela maior que se pode conceder: a perda de um filho. Vítima de um provável erro médico, Fernando morreu aos 22 anos, em 9 de setembro. Iria se casar em 5 de outubro. O médico novato que lhe aplicara uma injeção fugiu da cidade às pressas. 
   Hoje é Sexta-feira da Paixão. A palavra Paixão, no caso, quer dizer Sofrimento. Nós cristãos costumamos dizer que a cruz é a única esperança. Temos que passar pela dor antes de conquistar a recompensa. Jesus também vivem em um tempo e um país governado por psicopatas. Ao olhar para a cruz de madeira, filha da floresta, eu vivo um instante de consolação para todo o sofrimento que nossos pais enfrentaram, eo que nós enfrentamos agora. Apesar de tudo, meu coração se enche de esperança, porque logo será dia – o Dia da Ressurreição. ( Fale com o colunista: avenidaparana@jornaldelondrina.com.br página 3, caderno FOLHA CIDADES, coluna AVENIDA PARANÁ – por Paulo Briguet, sexta-feira, 25 de março de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário