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domingo, 28 de fevereiro de 2016

SEM 'MEA CULPA'

 

   Artigo de Fernanda Torres causa polêmica e a atriz pede desculpas depois de ser cobrada nas redes sociais

   O escritor e filósofo italiano Umberto Eco – que faleceu no último dia 20 - certa vez deu uma declaração polêmica, afirmou que a internet dá direito à palavra a uma “legião de imbecis” que antes falavam apenas “em bar sem prejudicar a coletividade”. À primeira vista. Eco foi radical, mas não deixa de ter razão. As redes sociais transformaram-se não só num veículo democrático de expressão, mas num espelho de comportamentos que também refletem a agressividade, a censura e o achincalhamento como processos de uma cultura autoritária. 
   O alvo mais recente deste tipo de agressão foi a atriz Fernanda Torres que mantém uma coluna na Folha de S. Paulo. Fernanda ousou tratar o feminismo por uma ótica muito pessoal, reconheceu que a mulher apanha, ganha menos que o homem, tem jornada dupla de trabalho e precisa ter mais direitos, mais espaço e até mais horas de sono. Na contrapartida, confessou que o machismo não a incomoda tanto, que não acredita num mundo neutro, sem diferenças, “sem xoxota, sem peito, sem pau, sem bigode”, disse que isso não teria graça. Para arrematar, disse que não acredita que as diferenças entre homens e mulheres sejam apenas culturais, mas também biológicas, criticando por fim “a vitimização do discurso feminista”. Com esses argumentos, Fernanda acendeu a fogueira. Várias representantes do feminismo rebateram sua opinião nas redes sociais. Até aí tudo bem. O inaceitável foi ver mais uma vez erguerem-se vozes que não pouparam xingamentos, levantando uma onda de coerção e censura que tem sido constante. Diante da pressão, a colunista acabou escrevendo outro artigo, intitulado “Mea culpa”, como convém a um pedido de desculpas.
   O artigo de Fernanda na Folha é de opinião. Sem entrar no mérito do conteúdo, mas da liberdade de expressão, digo que se eu fosse ela não teria me desculpado. Não acredito que as pessoas controladoras se contentam com desculpas, elas apenas têm uma espécie de gozo com isso, uma satisfação em mostrar quem tem razão. A cobrança para que eu pense com a cabeça dos outros – e não com minha própria cabeça – sempre me parecerá autoritária. Todos nós temos o direito de responder a um articulista, mas não de passar a persegui-lo nas redes com comentários toscos e xingamentos pesados. Por mais controverso que pareça, acho que um artigo de opinião não demanda “desculpas”, não tenho porque me desculpar pelo meu pensamento , pela minha visão ou pelo lugar que ocupo no mundo. Se o lugar de Fernanda parece mais confortável que o da maioria das mulheres, ela pode ser criticada por não abrir seu campo de visão, mas ninguém tem o direito de fazer cobranças grosseiras como se ela fosse obrigada a pensar em uníssono com os que se consideram minoria.
   Esse comportamento das turbas precisa ter limites. Discordar é uma coisa, achincalhar ou exigir resposta por coerção coletiva é outra. Isso gera autoritarismo. Estamos criando uma cultura de ignorantes participativos. Tem gente que surfa nessa onda para levar vantagens, trata-se de um comportamento político distorcido. A turba é um espelho da cultura contaminada, a revoada significa somar para ter razão e sobrepujar aquilo que enfraquece com uma ação coletiva. Por mais que levante polêmicas, Luiz Felipe Pondé nunca pediu desculpas pelo que escreveu, tampouco Millor Fernandes que satirizava e criava com o mesmo talento. Não vejo por que Fernanda Torres teria que ceder à micro censura. Não existe pensamento obrigatório, os universos, segmentos e gêneros podem comportar diferenças. Se não as ações passam a ser autoritárias e o maior risco é este. Precisamos evitar o autoritarismo até mesmo para proteger as minorias e a menor parte de uma maioria é o indivíduo. ( celia.musilli@gmail.com página 4, espaço CÉLIA MUSILLI, caderno FOLHA 2, domingo, 28 de fevereiro de Fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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