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sábado, 27 de fevereiro de 2016

PÃO DE CASA


   Há poucos dias, fazendo compras no supermercado, me deparei com os diversos tipos de pães colocados à disposição dos clientes: pão de milho, e centeio, quinoa, castanha, aveia, linhaça, pão com sete grãos, doze grãos. Fiquei parado em frente à gôndola, olhando aquela variedade de pães, pensando na minha infância na pequena cidade do interior e, imediatamente, vieram à memória as lembranças daquele tempo. 
   Distraído, não percebi que estava interrompendo a passagem das pessoas. Mas, como esquecer as viagens do sítio até a cidade levando a carroça abarrotada de milho? E o moinho do tio Ercílio, na beira de um ribeirão, onde a cada semana eu ia buscar a farinha de trigo, milho e quirela? São recordações que me enchem de saudades. Tenho saudade de correr descalço contra a correnteza da chuva, escorregar sentado pelo barro dos barrancos, andar nos carrinhos de rolimã, comer frutas no pé. 
   Mas uma das lembranças mais agradáveis que tenho é a do pão feito em casa. Lembro sentir de longe, na volta da escola, o cheiro de pão quente feito pela minha mãe no forno de barro, que ficava no fundo do quintal ao lado do pé de guabiroba. Para a fornada semanal ela cumpria um verdadeiro ritual, seguindo o conhecimento passado de geração a geração. Para a feitura do pão era usado fermento natural, obtido através da fermentação de batatas. Já a massa era sovada à mão e ficava guardada numa bacia até o dia seguinte, envolvida num cobertor para facilitar o crescimento; depois era passada no cilindro, cortada em pedaços iguais e colocadas nas formas de lata para esperar o segundo crescimento. 
   Enquanto isso, o forno já estava sendo preparado. Era varrido com vassoura de guanxuma e se colocava para queimar a lenha que havíamos apanhado no mato. Após a queima da lenha e o aquecimento do forno, as brasas eram retiradas, deixando-se uma parte de reserva para garantir o calor, caso necessário. O teste do grau de calor era feito com uma palha de milho colocada dentro do forno quente: se a palha pegasse fogo, deveria se esperar um pouco, pois a temperatura não estava adequada. Com uma pá de madeira as formas eram empurradas para dentro do forno e, enquanto os pães eram assados, minha mãe se envolvia com outros serviços da casa. Em menos de uma hora a fornada estava pronta; as crianças paravam suas brincadeiras e corriam para perto do forno, ansiosas para comer pão quentinho. Além da fornada de 10 a 12 pães, ela fazia pãezinhos especiais para cada um dos filhos, enfeitando-os como se fossem bichinhos. Enquanto nos distraía com isso, aproveitava para guardar os pães na tulha, pois a família era grande e, ainda, no dia a dia sempre aparecia algum amigo para comer generosas fatias cobertas com banha e açúcar. 
   Hoje, com 80 anos, de vez em quando nos brinda com um pão caseiro, crocante por fora e macio por dentro, qualidades que as padarias modernas não conseguem reproduzir. Mais delicioso ainda é ouvir meus amigos de infância quando se referem ela, pois a primeira coisa que dizem é: como era gostoso comer aquele pão quentinho que sua mãe fazia. ( GERSON ANTONIO MELATTI, leitor da FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA, FOLHA RURAL, sábado, 27 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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