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sábado, 13 de fevereiro de 2016

DORMIR NA CASA DA TIA


   Quando éramos crianças, uma das coisas que a gente mais gostava de fazer era dormir na casa das avós ou das tias. Era uma sensação de liberdade, de coisa diferente, deliciosa. Pedia para a prima pedir para a mãe, sempre com medo que a resposta fosse não mas, depois de argumentar, de responder detalhadamente todas as perguntas, lá íamos nós, felizes da vida.
   Lembro-me de ir “posar” na casa da tia Ercília que ficava num sítio, na Água do Macaco. Ia à tarde, com as primas, a pé. Para ir parecia pertinho, já a volta, sem vontade e com preguiça, parecia longe! 
   Chegava lá e tudo era gostoso e diferente. Descendo um pouco pelo pasto chegávamos a um rio, limpinho e atraente, cheio de agrião nas margens, com peixes, mato, flores.
   Minhas primas costumavam lavar roupas no rio, além de levar panelas para arear, Também costumávamos pescar com peneiras, às vezes pegávamos peixes, outras vezes piramboias e até cobras, largando a peneira com tudo e correndo assustadas. Mas tudo acabava em risada. 
   A comida era tão gostosa! Não lembro bem o que, mas era mais gostosa que a da minha casa. À noite, chegando a hora do dormir, na casa pequena a gente dividia as camas e desmaiava. Não sem antes conversar baixinho e rir muito, até que a tia mandava ficar quietas porque já era tarde. Minha tia também me ensinava a rezar e a lembrar das pessoas da família que já haviam falecido, porque elas precisavam de orações e ao mesmo tempo não seriam esquecidas. Então eu dia lembrando e rezando e lembrando e rezando e agradecendo. E dormia. 
   Pelas cinco horas da manhã, acordava com um barulho gostoso: a conversa dos meus tios e primos e o rádio ligado em programas sertanejo. Dava vontade de ficar ali, quietinha, curtinho aqueles momentos mágicos, com o cheiro de café e de fumaça do fogão à lenha perfumando o ambiente. As músicas eram do larilalá, ao contrário da cidade que era o iêiêiê.
Léo Canhoto e Robertinho, Zé Fortuna e Pitangueira, Liu e Léo e tantos outros. E o locutor que chamava o povo para levantar porque já estava na hora de ir trabalhar. Realmente o povo começava cedo. Ia todo mundo, ficando os que cuidavam da casa, lavavam a roupa e faziam a comida levada para a roça, lá pelas 10 horas. 
   Aos domingos era melhor ainda: brincar no rio, andar a cavalo. Eu tinha uns primos muito levados, que gostavam de atazanar as meninas. Certo dia, eu, a Marlene e mais duas meninas resolvemos andar a cavalo, todas de uma vez só. Naquela moleza, lá íamos nós quando meu primo resolveu assustar o cavalo. E as quatro foram para o chão. E para aumentar nossa raiva, ele ria e caçoava.
   Com tanta gente seria impossível não sair briga. Nada, porém, que pudesse atrapalhar a alegria no meio daquela gente, de vida simples, apertada, difícil, na qual não faltava o respeito, o afeto e a ternura de uma família. ( ESTELA MARIA FERREIRA, leitora da FOLHA, página 2, espaço DEDO DE PROSA, caderno FOLHA RURAL, sábado, 13 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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