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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

CARTA DE UM POLICIAL



Mãe, 
Se você está lendo estas palavras , quer dizer que o seu pior medo we tornou realidade: eu não voltei para casa. Pedi ao capitão para lhe entregar esta carta caso alguma coisa acontecesse comigo. 
Não pense que eu não via você rezando com angústia antes de eu sair para o trabalho. Naquele momento, você, era a imagem de todas as mães do mundo. Todas elas, não importa a língua ou a religião. Não importa que sejam mães de heróis ou bandidos, de alguma forma rezam para que os filhos voltem em segurança para casa. Eu não voltei. Desculpe, mãe, por lhe dar essa tristeza. Espero ter dado algumas alegrias. 
Não preciso escrever um testamento. Minha herança é minha farda, minhas lembranças e a Bíblia que está em minha cabeceira. Guarde-as com carinho para mostra-las a alguém que, no futuro, perguntará quem era seu filho. A Bíblia está marcada no Sermão da Montanha. Foram as últimas palavras que li, porque as leio todos os dias antes de ir para o trabalho. “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”.
O Sermão da Montanha também tem uma palavra de esperança para aqueles que sofrem calúnias e difamações. Nada substitui para mim o olhar de confiança de um menino ou de um pai de família quando me agradece em silêncio por meu trabalho, mas me dói muito saber que alguns me consideram assassino pelo simples fato de usar uma farda. Sei que há maus policiais, policiais que cometem erros e às vezes erros gravíssimos, mas eu não sou um deles e nunca serei. 
Sou apenas um trabalhador, mãe. Um oficial professor costumava dizer que o PM é “o braço armado da democracia”. Nunca me esquecerei dessas palavras. Não me esqueci delas nem mesmo nas poucas vezes em que tive de usar minha arma para me defender de bandidos. O mandamento “Não matarás” ressoa a todo instante em meus ouvidos. Saiba que eu só usei minha arma para evitar a morte de inocentes.
Lembro-me de sua reação no dia em que me decidi me tornar um policial. Lembro-me de seus olhos marejados, de seu sorriso triste e de sua preocupação. Mas guardei no coração as suas palavras: “Seja feliz, meu herói”. Não me considero herói, mãe. Saiba que fui apenas um cumpridor do meu dever. E isso nem sempre é fácil, com armas antigas, com viaturas que, muitas vezes, não têm gasolina e vivem na oficina mecânica, para não falar do poder do crime, que se fortalece a cada dia e nos espreita pelas esquinas. Mais difícil ainda é prender um marginal e vê-lo dias depois livre pelas ruas. 
Às vezes, fazendo a ronda pelo centro da cidade, eu olho por um instante para a nossa catedral. O capelão explicou que o formato da catedral simboliza duas mãos em atitude de prece. Imediatamente eu me lembrei de você, rezando sozinha no quarto, de olhos fechados, sem imaginar que eu a estivesse observando. As mãos da catedral, mãe, representam hoje a sua oração e a de toda a cidade. 
Eu também rezo, mãe. Rezo para ter a mesma fé do centurião romano que não se julgou digno de receber Jesus em sua casa. O centurião era o policial daquela época e Jesus curou o seu servo. 
Mãe, reze para que Deus me aceite no batalhão do céu, sob as ordens do centurião dos anjos. (TEXTO da Carta de um policial, extraído do espaço AVENIDA PARANÁ, por PAULO BRIGUET, página 3, caderno Folha Cidades. Fale com o colunista: avenidaparana@folhadelondrina.com.br, terça-feira, 2 de fevereiro de 2016, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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