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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

AMBIGUIDADE QUE SEDUZ




   Frida Seduz pela sua ambiguidade. Suas obras – atualmente em exposição do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo – que passam a ideia do sofrimento, mas também estão pontuadas pelo prazer. O acidente num bonde – quando ainda era bem jovem e teve o corpo transpassado por uma barra de ferro – marcou sua vida e boa parte de sua produção. Foram anos de luta, cirurgias, coletes ortopédicos, dor e tratamento à base de opiáceos que causaram uma série de consequências. A sublimação ou vitória sobre tudo isso aconteceu pela arte. Pintando sentada ou mesmo deitada, Frida criou “em pé”, em condições de igualdade com artistas da época, e superou muito deles pela qualidade de sua obra.
   Sua pintura oscila entre os temas sofridos – em telas que mostram o corpo ensanguentado, mutilado ou na fronteira entre a vida e a morte – e os coloridos e sensuais que marcam uma produção evidentemente mexicana, expansiva, nas quais as sombras dão lugar à ideia de um sol interior.
   Mas não é apenas na arte que Frida revela sua ambiguidade, a condição bissexual aparece na sua vida como trunfo de independência, de pessoa disposta a quebrar as convenções e experimentar o erotismo, as novas formas de relacionamento a dois ou a três. Porém, na sua biografia desponta o fato de que sofreu na relação com o pintor Diego Rivera, que levava quase todas suas modelos perfeitas para a cama, causando sofrimento em Frida, fragilizada em sua condição física e  de mulher. O ápice da infidelidade recorrente deu-se quando Rivera traiu Frida com sua própria irmã, seduzida quando foi convidada a organizar seu estúdio. Isso determinou um rompimento entre o casal, o mais sério de todos, culminando com a fase em que ela decide tornar sua vida mais livre. Mas Frida ainda perdoaria o marido por quem tinha um amor que beirava à obsessão. Num filme sobre sua vida há uma frase atribuída a ela referindo-se a irmã: “A culpa foi minha, jamais deveria ter posto você e Diego no mesmo quarto,” Um quarto que, na verdade era um estúdio.
   A frase de Frida dá a medida das atitudes machistas de Diego e da culpa que ela assume por tudo, até o limite do insuportável. No meu ponto de vista, isso também dá medida da submissão de Frida, apesar da fama de mulher independente. O amor tem dessas armadilhas, transforma em impotência o que seria potência sob o prisma da intensidade das pessoas passionais. Na obra de Frida transparece essa passionalidade, a dramaticidade de quem vive intensamente as alegrias e as tristezas, sem trégua, passando de uma emoção a outra com o mesmo talento. Talento que, aliás, Diego reconhecia, o que não significa que tenha movido um dedo pelo seu reconhecimento como artista. Quem a levou a Paris para a primeira exposição determinante foi André Breton, em 1939, vem daí a ligação de Frida com o Surrealismo, ligação que ela mais tarde descartaria como característica de sua obra. Ela não se considerava uma surrealista, afirmava apenas que pintava aquilo que conhecia melhor, ela mesma, o que justifica os autorretratos que são sua marca registrada. Costumo brincar dizendo que Frida adorava selfies e levou isso para a pintura.
   O que se evidencia na exposição de Frida é a abertura que o surrealismo deu à mulher na arte.  Ainda que se critique o movimento pelo fato das  mulheres não terem participado de sua elaboração teórica, é evidente que as artistas tiveram um campo vasto para consolidar sua criatividade em obras que contemplam a beleza e também o mistério do feminino, numa espécie de alquimia feita com tintas e pincéis. ( celia.musilli@gmail.com  págian 4, FOLHA 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingos 15 de novembro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA). 

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