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domingo, 11 de outubro de 2015

ENXERGAR A PAUTA



   Numa das maiores crises políticas do Brasil, o  jornalismo tem que ser mais vigoroso ou chegará ao impeachment


   Com o Brasil atravessando uma das piores crises de sua história, é evidente o despreparo de alguns sites para cobrir os acontecimentos em ritmo vertiginoso, reflexo da demissão em massa de jornalistas experientes. Falta punch, falta envergadura ao time de neófitos que não consegue fazer uma pauta criativa e nada além das perguntas óbvias em entrevistas que demandariam malícia. O Brasil não empobreceu só na política, empobreceu também nas coberturas. A anemia é visível, hoje para manter-se informado, às vezes é melhor acompanhar algumas TLs em redes sociais, a turma crítica está do lado de fora.
   Um dos sites mais conhecidos do país, que demitiu cem jornalistas em agosto, na quinta-feira alinhava duas manchetes: o resultado das loterias e a decisão do TCU sobre as contas de Dilma Rousseff. Oras, as notícias nõ se equivalem, qualquer editor mediano sabe o que deve destacar para atrair leitores e decerto não seria o resultado da Megasena, sem ganhadores, a manchete principal um dia depois da   presidente  ser colocada à beira do impeachment.
   Pior, sites que no passado alavancaram o interesse do país que inaugurava a era digital exibiam na fatídica quinta-feira, depois do Apocalipse em Brasília, manchetes insípidas como “ Barbie musculosa é fenômeno na internet “ ou “ Edu K ou Mara Maravilha: quem deve permanecer no reality show? “.
   É preocupante saber que a capacidade de análise esteja escapando entre os dedos. A imprensa deve estimular o debate e acredito que muitos cidadãos queiram debater os rumos do país. Em conversas dentro de ônibus urbano, às vezes ouço pessoas simples pondo em xeque alguma legislação como o novo plano de aposentadorias. São interesses que deveriam ser melhor aproveitados, mas daqui a pouco não sobra nas redações nem jornalistas para fazer enquetes, quem dirá uma cobertura completa, aquele “ show de bola “ que dava orgulho a um time em outros tempos.
   Hora dos veículos, profissionais de imprensa e leitores o que querem, afinal, da notícia. Para ser sincera, também não vejo leitores críticos. No entra e sai das redações, o leitor parece não observar direito o que diferencia um bom de um  mau texto, uma cobertura caprichada de um cardápio noticioso fraco. A força do hábito ainda salva  muitas assinaturas, mas com a internet oferecendo a simultaneidade, o jornalismo deveria ser mais vigoroso para aquela faixa de leitores que escolhe um veículo pelo seu padrão de cobertura.
   Na última quinta-feira, quando vi um site conhecido alinhar a loteria com a decisão do TCU , percebi que uma lição básica do jornalismo  o está escapando à imprensa: A importância de uma medida começa a ser medida pelo espaço que ocupa. Mas, no calor dos últimos acontecimentos, não posso esquecer que amanhã é Dia da Criança e da Padroeira do Brasil. Que Nossa Senhora Aparecida nos livre da fraqueza de perder o senso crítico, o talento para criar uma boa reportagem, esse é o melhor legado que podemos deixar às novas gerações. Tecnologia não basta, tem que aprimorar a visão para enxergar a pauta. ( celimusilli@terra.com.br  página 4, Folha 2, espaço CÉLIA MUSILLI, domingo. 11 de outubro de 2015, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA).

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