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sábado, 12 de setembro de 2015

AMOR, AMORA



   Eu acredito em amor à primeira vista. Quando eu vi um pé de amora pela primeira vez, bateu aquela sintonia. Na inocência infantil, achava que a fruta era uma espécie de bebê uva, mas me disseram que nunca  cresceria, então me certifiquei de que eram anãs. Para quem já gostava de uvas, o encantamento do primeiro encontro ficou mais fácil assim.
   Alguém avisou que aquilo soltava tinta ,o que era ainda mais impressionante, um lápis de cor que pintava as mãos e roupa. Deixei os chinelos na sombra de sua copa e subi o tronco com facilidade. Fiquei lá, na praça da rua da minha avó, em Americana, no interior de São Paulo, batendo  papo com as primas enquanto colhia as amoras mais roxas e pintando. Tudo.
   As amoras era uma espécie de união de todos os produtos de beleza que não podia usar: batom, sombra, blush, tinta de cabelo, esmalte... Quando voltamos para a casa da avó, com as mãos cheias de frutas e de cor, fomos repreendidas, proibidas de subir no pé de amora.
   Mas no dia seguinte nós já estávamos lá de novo. O combinado era não deixar vestígios. Todo cuidado era pouco, então montamos um protocolo: só era permitido pegar a fruta pelo cabo e jogá-la direto na boca, sem tocar nos lábios, erros não eram permitidos. Arquitetamos levar luvas cirúrgicas nas próximas vezes, mas onde conseguiríamos? Fizemos o máximo que podíamos, mas os dedinhos roxos não nos deixavam mentir. Por algum momento me senti traída, a fruta da qual eu tanto gostava sempre me denunciou.
   Quando voltamos a Londrina, me despedi dos tios, primos, vó, mas não me despedi da amoreira, Que triste vê-la ficando pequena no vidro do carro. Já na cidade natal, busquei nas pracinhas algum sinal roxo. Teve uma árvore que me deixou encucada,  a examinei atentamente até me certificar de que aquilo era mesmo um pé de amora. Minha mãe disse que não era época, “ ora, e por acaso amora tem disso?”. Acreditei que meu amor não era correspondido até voltar para Americana e ver que todo Natal ela estava lá me esperando.
   Quando cresci, entendi que era uma espécie de amor de verão e como todo amor de verão, um dia vai se perdendo. Nem sempre eu conseguia viajar no Natal. Não superei, a minha fruta preferida é um pouco  difícil, seu pé parecia existir só na praça da casa da minha avó. Foram aos de separação e coração partido para eu entender que era hora de tocar em frente.
   Para a cura consegui o meu próprio pé de amora. Estou confiante, mas as frutas ainda estão bastante tímidas; enquanto não surgem, me perco nas lembranças das amoras vividas com o olhar confiante para o futuro: que venham os próximos amores! ( LAIS TAINE, jornalista em Londrina, página 2, FOLHA RUAL, espaço DEDO DE PROSA, publicação do jornal FOLHA DE LONDRINA, sábado, 12 de setembro de 2015).

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